Atletas do Corinthians lamentam a derrota para o Guaraní, que tirou o time brasileiro da Libertadores

O dia seguinte a uma eliminação lembra um episódio de seriado policial norte-americano. Inicia-se a caça ao responsável pelo crime. E até que se chegue ao culpado, suspeitos são intimados, presos, pressionados. A ressaca da derrota distorce verdades, cria factoides, e a maior cidade do país acordou em ressaca coletiva de suas duas maiores torcidas.

Fora da Libertadores, Corinthians e São Paulo terão de mostrar maturidade para entender que tipo de bebida causou a enorme dor de cabeça da quinta-feira. Quantas doses de salários atrasados, mau planejamento, salto alto ou aquele gole imperceptível de bola na trave, pênalti perdido, cartão vermelho desnecessário.


É mais difícil, talvez mais abstrato, explicar o “crime” corintiano. Afinal, há pouco mais de um mês, o time era exemplo de futebol bonito, moderno e eficiente, digno de ser destrinchado na televisão pelo próprio técnico. O adversário, pobre Guaraní, era inofensivo a ponto de o diretor agradecer a Deus pelo cruzamento generoso nas oitavas de final.

O Timão se embriagou de vaidade. Optou pelo caminho mais fácil de deleitar-se com elogios e acreditar na autossuficiência de quem, mesmo com um reserva aqui ou uma mescla ali, passeou na primeira fase do fraquíssimo Paulistão, que tem, a valer, duas semanas de torneio.

A soberba não é planejada, não é voluntária. Nenhum jogador do Corinthians acordou e, ao se trocar para o treino, pensou: “Hoje não vou de chuteiras, vou de salto alto”. No mundo imaginário em que as cabeças do clube se permitiram entrar não haveria dificuldades, obstáculos intransponíveis, e, quando eles surgiram, a reação foi a pior possível. Em nenhum momento houve medo de perder o controle. Pensou-se sempre que “só depende de nós”, como se fossem fantasmas do outro lado. Não eram.

Haverá aqueles que culparão a imprensa por elogios exagerados. Este jornalista mesmo digitou maravilhas a respeito de Tite, a quem ainda considera o melhor e mais bem preparado do ramo no país, assim como o eliminado Pep Guardiola é o mais genial dos homens que se sentam no banco de reservas em todo o mundo. Sem quaisquer comparações, por favor.

Os elogios prévios eram merecidos. Este mesmo jornalista, porém, antes da derrota para o São Paulo, escreveu que o Corinthians precisava ser questionado e retomar o rumo certo.

Não o fez e o retorno à estrada passa, agora, por um caminho maior e mais tortuoso. Salários atrasados? Não sou capaz de medir o quanto influenciam, mas a má gestão é um ingrediente dos mais nocivos à ressaca do dia seguinte.


Jogadores do São Paulo veem os pênaltis contra o Cruzeiro, fatais nesta Libertadores


Ao São Paulo, ao contrário, sobravam críticas. Na contramão corintiana, a equipe esboçou recuperar-se com duas grandes atuações, mas, ainda assim, o favoritismo atribuído contra o Cruzeiro foi imaginário, baseado em camisa, nomes de jogadores, estádio lotado. Fatores que têm relativo peso, porém menor do que as diferenças mais concretas entre um e outro.

O Cruzeiro, bicampeão brasileiro, é um arranha-céu construído há quase três anos. Uma reforma aqui, um ajuste acolá, nem sempre para melhor, é bom que se diga, mas a estrutura tática permanece intacta. Nesse mesmo período, o São Paulo é um prédio que subiu, foi derrubado, começou de novo, caiu, cresceu, implodiu... O atual esqueleto que se vê em campo tem pouco mais de um mês.

Quem sai do nada se agarra à primeira luz. O técnico que é interino e sabe que aceitar a efetivação pode deixá-lo desempregado se agarrou ao único esquema que funcionou e à escalação que, na semana passada,

surpreendeu. É possível culpá-lo por escolhas equivocadas no Mineirão? Sim. É preciso entender o contexto de suas escolhas? Também.

Agora, diz-se que a diretoria jamais poderia ter admitido chegar a uma fase como essa “sem técnico”. O time teve treinador, mas não teve trabalho nos três primeiros meses do ano. O rascunho (não passa disso) existente hoje se deve a Milton Cruz. E se o São Paulo está “sem técnico”, como o Santos, também com interino-efetivo, foi campeão paulista? E por que o Corinthians, com o superpreparado Tite, passou vergonha? Não é tão simples assim.

Arrastar a decisão até os pênaltis foi estabelecer o equilíbrio que o São Paulo, até então, não tinha contra os melhores do país, e deve levar como legado da Libertadores. A classificação poderia até se concretizar se houvesse mais jogadores com o perfil vitorioso de Rogério Ceni, que superou os limites dos 42 anos de idade para defender dois pênaltis, mas não tem lá companheiros muito talhados às vitórias.

Essa formação de elenco, de jogadores popstars, na qual o clube tem insistido há algum tempo por mais que não combine com sua história, é que deve ser questionada.

Corinthians e São Paulo estão entre os favoritos ao título brasileiro, assim como o também eliminado Atlético-MG e os classificados Cruzeiro e Internacional. O clube gaúcho, aliás, com desempenho invejável, cheio de jogadores jovens e um técnico estrangeiro, um soco no estômago de quem aposta em fórmulas batidas e conservadoras.

Caberá aos paulistas não colocarem inocentes na cadeia nessa busca interminável por culpados. A ressaca é incômoda, mas daqui a três dias voltarão a beber dessa água chamada resultado.