"O Canto das Torcidas" divulga fotos e vídeos com cânticos de torcidas por todo o mundo

A Internet e suas redes sociais são meios onde pessoas que comungam das mesmas ideias têm seu espaço para debater e divulgar aquilo que acreditam. Para aqueles que resistem ao futebol moderno, a rede mundial de computadores é uma arma extremamente eficaz.

Muitas páginas e grupos no Facebook têm como propósito divulgar conteúdo crítico ao modo “mercantil” de gerir o futebol e as consequências que isso traz ao torcedor.
É o caso da página “O Canto das Torcidas”, que existe desde agosto de 2014 e já tem 16.570 seguidores. Suas postagens são relacionadas a torcidas: a festa nas arquibancadas, os cânticos e a paixão por seus clubes que, para os moderadores, são afetadas negativamente pela mercantilização do esporte.
“Sempre fui apaixonado por torcidas e pela festa que elas fazem, seja comemorando um gol, provocando o adversário ou preparando a melhor recepção possível para o seu time.

Porém, vi isso acabando aos poucos, principalmente após a Copa do Mundo, que veio fortificar ainda mais esse fim do 'torcedor de verdade'. Então, resolvi criar a página para divulgar as mais belas festas nas arquibancadas de todo o mundo. A consequência foi assumir um posicionamento que pretende lutar contra o futebol moderno”, disse Adelino Martins, criador da página.

“O Canto das Torcidas” possui seguidores de todo o mundo: dos mais de 16 mil, 118 são argentinos, 111 são portugueses, 64 são norte-americanos. Sem contar mais diversas nacionalidades presentes na página, desde bolivianos até franceses. É a prova cabal de que o futebol realmente une pessoas.

“O futebol parou uma guerra, uniu povos, lutou (e luta) contra o racismo. É a alegria do povo, a paixão nacional. Acredito que o futebol é um esporte que nos proporciona coisas que nenhum outro consegue e, assim como a bola, a torcida faz parte, e é por ela que lutamos”.

Para Adelino, a torcida é a mais prejudicada pelo futebol moderno. “Nosso movimento é contra qualquer tipo de modernização no futebol, mas se for realmente necessária a construção de uma arena moderna, que ela não se esqueça do principal motivo da existência do futebol: a paixão do torcedor. Se querem cadeiras confortáveis, que deixem espaço para quem quer ficar de pé e quer levar sinalizador (de fumaça), bandeiras, bexigas, rolos de papel, papel picado, etc. Que não matem a paixão de todo torcedor”.

Quem também valoriza o espetáculo das torcidas é a página “Futebol de Campo”, que foi criada para divulgar o conteúdo do site homônimo (www.futeboldecampo.net), nascido de um projeto do jornalista Fábio Soares: fotografar a paixão de quem está ali, sentado nas arquibancadas.


Blog "Futebol de Campo" mostra torcidas retratadas pelo olho do jornalista Fábio Soares

“Após 13 anos nas redações de Folha de S. Paulo, Estadão e Veja, resolvi tirar um período sabático para me dedicar a um projeto jornalístico focado no universo do torcedor de futebol. Mostrar um pouco do que acontece nas arquibancadas e no entorno dos estádios, fugindo dos formatos tradicionais do noticiário esportivo. Em 2011, comecei a fotografar e escrever sobre o ambiente em torno dos jogos. Peguei gosto e, em 4 anos, já fiz cerca de 300 jogos”, disse.

Fábio acredita em uma “pasteurização” do futebol atual: padronizações que levaram à elitização e que, por sua vez, afastaram grande parte dos torcedores do estádio. “O futebol entrou num processo de 'pasteurização'. Estádios iguais, por dentro e por fora, proibição de bandeiras, fumaça, papel picado...Toda essa padronização esfriou o clima das arquibancadas. Junto com essa padronização das novas arenas veio a elitização do público. Quem pode pagar R$ 200 num ingresso?”, afirmou o jornalista.

Outra página famosa entre os que combatem o modernismo é a “Sem Firula”, criada em janeiro de 2013 e que, hoje, conta com 15 mil seguidores. Diferentemente da “O Canto das Torcidas” e da “Futebol de Campo”, o site tem outros tipos de conteúdo, como táticas, artes, análises etc.,além das torcidas. Porém, um dos moderadores da página, André Vidiz, não deixa de reconhecer a importância delas para a alma do esporte.
“O futebol, para mim, é o sentimento de pertencimento que temos numa arquibancada. É o fato de que você e o time formam uma coisa só”, falou.


Página "Sem Firula" mistura humor, crítica e análise no Facebook

Violência nos estádios
A violência nos estádios é uma das justificativas para a implantação de algumas medidas vistas como próprias do futebol moderno, como a proibição de bandeiras, sinalizadores de fumaça e demais acessórios. Para André Vidiz, esse tipo de medida é totalmente falho.

“Acho que a violência nos estádios é mais uma questão de percepção do que de fatos. Há poucos incidentes sérios nas arquibancadas, mas a gravidade e visibilidade destes, como aconteceu em Atlético-PR x Vasco (briga entre torcidas na última rodada do Brasileirão de 2013), fazem com que as pessoas associem o clima tenso que um jogo de futebol tem e sempre terá a uma ameaça de violência iminente. Mas, na prática, são poucos casos. Há muito mais casos de violência entre torcidas organizadas, mas esses normalmente não acontecem nos estádios”.

Fábio Soares também segue a mesma linha de raciocínio, observando certo grau de “aumento” nos casos de violência por parte da opinião pública. “Dos quase 300 jogos que fotografei na arquibancada, se vi meia dúzia de brigas dentro dos estádios foi muito. Vejo mais gente querendo sair no tapa no trânsito paulistano. Vamos, então, proibir o cidadão de dirigir? Não é por aí. Não há uma causa específica para a violência no futebol. A violência está presente na sociedade por conta de inúmeros problemas sociais. Multa-se ou prende-se quem comete infrações no trânsito, por exemplo. Com o torcedor violento, o procedimento deve ser o mesmo”.


Confusão entre torcedores do Palmeiras e a PM nas dependências do Allianz Parque; Para Fábio Soares e André Vidiz, a violência está "fora dos estádios"

Torcidas organizadas
Demonizadas por alguns, adoradas por outros, as torcidas organizadas são, no Brasil, as principais responsáveis pelos cânticos e pela festa nas arquibancadas. Adelino Martins concorda com essa visão, e as vê como um pólo de resistência ao futebol moderno.

“Elas representam a resistência ao futebol moderno como podem. Tiram o transporte (por causa do horário do jogo), tiram seus papéis, suas bandeiras, muitas vezes seus instrumentos, mas elas se mantêm firmes pois sabem sua a importância para o clube”.

Por outro lado, André Vidiz enxerga a importância das organizadas, mas critica algumas de suas atitudes, como a tentativa de “monopolizar a emoção”.

“Elas (as organizadas) ainda mantêm uma relação de entrega total, paixão e dedicação ao time. Com as proibições de bandeiras e afins, só no setor delas ou próximo a elas é que se vive um ambiente de festa dentro do estádio. Porém, infelizmente, algumas se valem deste ‘monopólio da emoção’ para se manterem de pé, tendo como práticas muitas vezes a intimidação física, a violência e a imposição de ideias”.


Torcidas organizadas são responsáveis por fazer festa dentro dos estádios (Fotos: Fábio Soares/Futeboldecampo.net)