Há mais de uma década envolvido com trabalhos nas categorias de base dos clubes, lidando com garotos do sub-11 ao sub-20, Hugo D’Elia Machado defende que o que não se pode faltar em um projeto para ter êxito é persistência do treinador e comprometimento dos atletas. No entanto, algumas variáveis podem atrapalhar esse processo: a sobrecarga de jogos e a cobrança do empresário, por exemplo, são elencados pelo gerente como eventuais causas de um problema na formação de novos talentos.
Por essa razão que, em conversa com a Gazeta Esportiva.Net, Hugo fez questão de alertar para a necessidade de se fazer um encurtamento do calendário, mas relativizou o papel dos empresários, certo de que tem uns que colaboram e outros que só atrapalham o desenvolvimento dos garotos.
Além disso, condenou o excesso de responsabilidade que, por vezes, é depositada em um atleta durante a transição ao profissional e pediu por uma maior qualificação dos treinadores.
Hugo acumula passagens pelas divisões de base de Corinthians, Grêmio Prudente e Santos – a mais recente. No Peixe, conquistou seis títulos em pouco mais de uma no de meio de clube, do sub-11 ao sub-20, sendo os de maior destaque a Copa do Brasil sub-20 (2013) e a Copa São Paulo de Juniores (2014), além de três Campeonatos Paulistas (com o sub-11, sub-13 e sub-17) e um torneio na África.
Gazeta Esportiva.Net – Como você vê a evolução das categorias de base no Brasil? O que ainda pode ser feito para melhorar?
Hugo Machado – Nunca é tarde para reorganizar. Este ano teremos um Campeonato sub-20 que será em turno único, isso já é uma evolução. Temos que ter calendários padronizados, e não excesso de campeonatos.
O atleta de base precisa treinar, repetir, aperfeiçoar fundamentos, e não entrar em uma rotina de jogos. A Copa BH, outro torneio importante, em reunião ano passado entre gerentes de base de Minas e a Federação Mineira, ficou decidido que será transformada em uma competição sub-17.
Outro ponto importante é com relação aos treinadores da base. Temos que ter profissionais mais bem preparados, capacitados, que entendam de crescimento e amadurecimento de atletas, que possam ter salários bons para trabalhar em categorias menores e não simplesmente fazer carreira para chegar ao profissional.
Gazeta Esportiva.Net – Qual a dimensão do papel do empresário na carreira do jovem jogador de futebol?
O que achou da determinação da Fifa de coibir a participação de terceiros na compra de atletas?
Hugo Machado – Como em toda profissão, tem alguns empresários que ajudam e outros que atrapalham.
Os que ajudam mostram aos atletas que na base não se fica rico, porque quando eles começam a ter grandes salários, o foco muda e o desempenho cai.
A maturação é um fator determinante para os atletas em formação, o grande segredo é esperar os atletas com maturação tardia desabrocharem. Às vezes, aqueles que achamos que são craques e tem maturação precoce, estacionam e ficam pelo caminho.
Com relação à determinação da Fifa, ainda é muito cedo para sabermos os rumos que essas medidas tomarão.
Os que trabalham com ética sempre acatarão aquilo que for determinado, outros já devem estar estudando uma forma de burlar a nova regra.
Gazeta Esportiva.Net – O rótulo de País do Futebol gera certo comodismo e impede o Brasil de continuar evoluindo? Os 7 a 1 sofridos para a Alemanha na Copa são um sinal disso, não?
Hugo Machado – Precisamos resgatar o que temos de melhor no atleta de base, seu drible e sua ousadia, mas com organização. Invertemos os papéis, estamos criando brucutus, e os europeus levam os habilidosos, mas ensinam eles a marcar e a se posicionar quando estão sem a bola.
Um exemplo disso é o Willian, com quem trabalhei no Corinthians, e o próprio Neymar. É na base que temos que introduzir essa metodologia.
Gazeta Esportiva.Net – Levando em conta sua experiência, o que você julga necessário para se conseguir um trabalho de sucesso na base?
Hugo Machado – Cada categoria tem seus objetivos bem definidos. Até o sub-13, temos que ter um trabalho bem lúdico. Dos 14 anos em diante, já temos que ter mais organização, os atletas tem que ter mais responsabilidade com relação à marcação e à transição.
O Brasil ainda possui atletas de base de muita qualidade, o problema é que muitos treinadores de base às vezes atrapalham seu desempenho.
Se o treinador não ter persistência em ensinar não vamos sair deste patamar.