6/2/2015 12:10

Palmeirenses ‘esquecem’ corintiano Chico Lang no novo Palestra Itália

Palmeirenses ‘esquecem’ corintiano Chico Lang no novo Palestra Itália
Djalma Vassão/Gazeta Press
O comentarista Chico Lang vem passando despercebido na nova arena inaugurada pelo Palmeiras em 2014


O corintiano Chico Lang era um personagem do antigo Palestra Itália. Dos tempos em que as cabeceiras do estádio eram chamadas de “gol da piscina” e “gol da Matarazzo”, quando era possível mudar de lugar nas arquibancadas de acordo com a posição do Palmeiras em campo, os banheiros eram sujos e o gramado do jardim suspenso ostentava o símbolo do clube. Na moderna arena, o comentarista da TV Gazeta foi esquecido.

Antigamente, havia apenas duas saídas para os torcedores. Os que preferiam deixar o estádio pela Rua Turiaçu caminhavam alguns metros diante das chamadas numeradas, em uma espécie de procissão. Neste trecho, independentemente do placar, o folclórico corintiano era 'homenageado'. Alguém gritava “Chico Laaangue!”, e os demais respondiam “veaaado!”. Muitos, com o dedo em riste, dirigiam o olhar na direção das cabines de imprensa, como se lá estivesse o alvo de tamanha fúria.

Na tarde do dia 9 de julho de 2010, após a vitória do Boca Juniors sobre o Palmeiras no amistoso que antecedeu a longa reforma do estádio, o comentarista da TV Gazeta recebeu a devida lembrança. Durante os mais de quatro anos de estadia no Pacaembu, no entanto, a tradição de saudar Chico Lang na saída das partidas acabou abandonada, como se o rito pertencesse exclusivamente ao velho Palestra Itália. Na volta à arena, por enquanto, o costume ainda não foi retomado.

“Isso nunca me chateou”, disse Lang, sem pudores de comentar o assunto. “O Carlos Imperial, o milionário que inventou a Jovem Guarda, costumava falar que a vaia era a consagração do artista. O Flávio Prado já me disse que era uma demonstração de amor da torcida ou talvez até de inveja, porque não tem ninguém na imprensa que defende o Palmeiras como eu defendo o Corinthians. Muitos palmeirenses me dizem: ‘Você é corintiano, mas gosto de você’. Eu acho engraçado. Virou um folclore”, afirmou.

Certa vez, Chico Lang recebeu um telefonema do jornalista palmeirense Mauro Beting, interessado em tirar sarro do amigo pelo tradicional coro entoado no Palestra Itália ao final de cada partida, em tom apoteótico após as grandes vitórias e como desabafo pelos tropeços inesperados. Na festa de casamento de Beting, assim que entrou no salão, o comentarista da TV Gazeta foi surpreendido. “Chico Laaangue, veaaado! Chico Laaangue, veaaado!”, recordou, sorrindo.

Na época em que atuava na imprensa escrita, o jornalista costumava frequentar o Palestra Itália a trabalho sem ser incomodado. Uma vez na televisão, encarnou o tipo corintiano com afinco, o que inviabilizou sua presença no estádio. Preocupado, o chefe do policiamento chegou a entrar em contato com o comentarista para alertá-lo. A última visita ao estádio, em 1990, foi memorável, lembra Chico Lang.

“O Palmeiras, então dirigido pelo Telê Santana, enfrentava uma equipe do interior e acabou não ganhando. Ele foi de tal forma hostilizado, que a torcida queria agredi-lo. Para conseguir sair do estádio, o Telê entrou no carro da nossa reportagem, um antigo gol quadradinho, e se abaixou. Assim, passamos no meio da torcida e ninguém percebeu. Tivemos que deixá-lo no hotel em que vivia”, recordou Lang, na época repórter do jornal A Gazeta Esportiva.

Se ficou impressionado com a ira demonstrada em relação a Telê Santana, o jornalista precisou enfrentá-la em várias ocasiões. “Vim aqui para matar o Chico Lang”, apresentou-se um leitor insatisfeito. “O Chico Lang? Ele foi almoçar”, respondeu o próprio, enquanto ganhava tempo para acionar a segurança. Em outro episódio, o comentarista, acompanhado pela mulher, então gestante, se viu envolvido em uma briga dentro de um restaurante. Apesar da intolerância, o jornalista nunca abriu mão do estilo polêmico.

“Sofri esse tipo de ameaças durante toda a minha carreira, sempre motivadas pelo futebol e pela rivalidade entre Corinthians e Palmeiras. Quando eu trabalhava com o (palmeirense) Roberto Avallone no Mesa Redonda, havia aquele debate entre nós. Então, muitos palmeirenses me olhavam com ódio mortal. As pessoas não entendem que, quando você está na televisão, mesmo que não queira, acaba se transformando em um personagem. Sempre tive opiniões duras. Se você bate forte na sociedade, ela te responde na mesma proporção”, disse Lang.

Ironicamente, o corintiano fanático vive a poucos quilômetros do estádio Palestra Itália. No bairro, ainda criança, conheceu a família de Oberdan Cattani, falecido em 2014, um dos maiores ídolos da história alviverde. O jornalista desejava comparecer ao velório do ex-goleiro, realizado no ginásio do clube, mas, receoso, descartou a ideia. Ele chegou a frequentar as dependências do Palmeiras na infância, e diz sentir vontade de retornar.

“Passo em frente ao estádio de vez em quando, porque moro perto. Sempre olho, dá para enxergar o gramado. É uma arena super moderna e muito bonita, me parece. Toda pintada de verde. Eu teria curiosidade de ir, sim, até para ver um jogo. Não digo um Palmeiras e Corinthians, para ver uma partida do Palmeiras qualquer. Mas existe um receio, porque você nunca sabe como o torcedor da uniformizada vai reagir”, afirmou.



Às 17 horas (de Brasília) deste domingo, Palmeiras e Corinthians duelam no Palestra Itália pela primeira vez após a reforma do estádio, agora com lugares marcados, setores identificados por pontos cardeais, várias saídas para dispersar o público, banheiros impecáveis e um símbolo inflável no gramado. A exemplo do jogo com torcida única, algo inédito na história do clássico iniciado em 1917, o fim do tradicional coro “Chico Laaangue, veaaado!” é um sinal dos tempos.

“Você cria costumes e hábitos de acordo com as circunstâncias. Como agora há diferentes saídas, esse coro tende realmente a fazer parte da história. A manifestação tem que ser espontânea. A pessoa, quando coloca a cara no vídeo, precisa entender o seguinte: tem gente que vai gostar do que você vai dizer, e tem gente que não vai gostar. Quando você se expõe, tudo pode acontecer. A manifestação que vier, veio. Paciência. E se um dia ela acabar, vai acabar como começou, de repente”, afirmou Chico.


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5061 visitas - Fonte: Gazeta Esportiva

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