Se o futebol apresentado pelo Corinthian Football Club na excursão de 1910 ao Brasil foi o que inspirou a fundação do Sport Club Corinthians Paulista, o favor foi ao menos parcialmente retribuído. Em 1988, na primeira visita do pai, o filho o brindou com uma sensacional parceria entre Sócrates e Rivellino. Como um agrado final ao velho, ainda lhe cedeu o Doutor por alguns minutos.
“Não deu problema porque, quando a gente conhece um pouco de bola, tem facilidade. A gente fala o mesmo idioma, o raciocínio é igual”, disse Rivellino, ainda no intervalo da partida amistosa. Satisfeito com a dupla, Sócrates não conseguia se recordar se ela era inédita. “Com o Riva? Não sei. Devo ter jogado alguma peladinha com ele”, sorriu o Magrão.
A festa aconteceu em 5 de junho de 1988. Chamado de Corinthian-Casuals desde a fusão com o Casuals em 1939, o time amador britânico foi convidado ao Brasil como parte das comemorações do centenário do Clube Atlético São Paulo (SPAC). O ponto alto da viagem foi o embate com uma formação alvinegra de ídolos do passado, reunidos no Pacaembu.
Comandante nas históricas conquistas estaduais de 1954 e 1977, Oswaldo Brandão voltou ao banco onde estivera muitas vezes e teve de conter o choro ao escalar Cláudio, o maior artilheiro do clube. Só não conseguiu dar a camisa 24 a Benê, centroavante dos anos 60. “Acha que vou usar essa camisa agora que estou velho? De jeito nenhum.” O uniforme ficou para Tião.
GOLEADA EM 2001
O Corinthian-Casuals fez nova visita em 2001, bem mais discreta do que a de 1988. Dois dias depois de ver no Morumbi o Corinthians conquistar o Campeonato Paulista, impressionados com a festa da Fiel no triunfo sobre o Botafogo, os ingleses foram ao Parque São Jorge.
No confronto entre os mais jovens, os juniores do Timão levaram a melhor por 2 a 0. Entre os veteranos, foi bem mais fácil. Dirigida por Mário Travaglini, campeão estadual de 1982 em preto e branco, a formação brasileira triunfou por 9 a 0, gols de João Paulo (3), Zenon, Ataliba, Pita (2) e Luiz Fernando (2).
Vinte e cinco jogadores se revezaram no “Corinthians de todos os tempos”, em duas etapas de 25 minutos. Com Dulcídio Wanderley Boschillia no apito, os 15 mil torcedores presentes não demoraram a vibrar com um carrinho de Luís Carlos – na bola, diferentemente de alguns de Moisés, viril mesmo em um jogo festivo. Cláudio, aos 65 anos, ainda mostrava enorme categoria.
Mas o melhor mesmo ficou por conta das tabelas entre Rivellino, de 42 anos, e Sócrates, de 34. Eles falavam realmente o mesmo idioma, como descreveu o mais velho, e as jogadas saíam com facilidade. Aos 19 minutos do primeiro tempo, Sócrates deu um característico toque de calcanhar, recebeu na meia-lua e marcou o único gol do jogo encobrindo o goleiro Metcalfe.
“Volta, Doutor”, gritava a torcida – que veria o camisa 8 retomar brevemente a carreira, mas pelo Santos, realizando um sonho de infância. Antes do Santos, uma passagem de 15 minutos pelo Corinthian-Casuals. O craque foi até o banco dos visitantes, trocou a camisa branca por uma colorida e tornou ainda mais profunda a relação entre ingleses e brasileiros.
“Eu resolvi perguntar se ele consideraria jogar por nós, disse-lhe que seria um prazer para a gente”, contou à Gazeta Esportiva David Harrison, que fazia parte da organização do amistoso de 1988 e, atual vice-presidente do clube londrino, está de volta para mais um encontro histórico. “Ele disse que faria isso. E fez.
É provavelmente o melhor jogador que já vestiu a chocolate-rosa. Somos muito orgulhosos disso.”
Contando com boas defesas de Ado e levando duas bolas na trave em uma partida mais competitiva do que se poderia imaginar, o Corinthians Paulista manteve sua vantagem mínima até o final. Rivellino petecou a bola e a entregou a Dulcídio, que, caracterizado como um árbitro antigo, encerrou a jornada fantástica.
Com invasão geral do campo, pai e filho disseram “até logo”.
UM MINUTO DE SILÊNCIO
A ideia de um amistoso com o Corinthian-Casuals em 1988 não agradou ao presidente alvinegro Vicente Matheus. Nem mesmo a informação de que não haveria custos para o clube do Parque São Jorge empolgou o espanhol, que usou uma expressão em castelhano para resumir sua posição: “Lo barato cuesta caro”.
A resistência acabou contribuindo para aquela manhã mágica de 1988, já que o veto à utilização do time profissional permitiu a formação do “Corinthians de todos os tempos”. E foi especialmente graças a Sérgio Terpins, que se desligara formalmente da diretoria havia pouco tempo, que a festa virou realidade.
Ele só não pôde participar. Três dias antes do jogo, Terpins levou a delegação do Corinthian-Casuals ao Parque São Jorge para uma homenagem. Mostrou o ginásio do clube, posou para uma fotografia e não teve tempo de exibir a sala de troféus aos convidados.
Com um ataque cardíaco fulminante, morreu aos 39 anos. O histórico amistoso do domingo subsequente foi interrompido aos quatro minutos do primeiro tempo por Dulcídio Wanderley Boschillia. Houve um momento de silêncio em respeito a um dos principais organizadores da celebração.
(foto: Acervo/Gazeta Press – Sergio Terpins, à esquerda, de óculos, posa para foto com delegação do Corinthian-Casuals no Parque São Jorge pouco antes de seu coração parar)