13/11/2014 19:15

Saiba como é feito o trabalho do Corinthians nas categorias de base

Confira entrevista completa com Agnello Gonçalves, coordenador técnico dos times inferiores do Timão

Saiba como é feito o trabalho do Corinthians nas categorias de base
Agnello Gonçalves, coordenador técnico, explica o trabalho do Departamento de Formação de Atletas

Desde o mítico Terrão, o Departamento de Formação de Atletas sempre revelou diversos jogadores e é o maior campeão da Copa São Paulo de Futebol Jr. O site Fox Sports entrevistou o coordenador técnico Agnello Gonçalves para retratar como funciona o trabalho das categorias de base do Corinthians. Confira a matéria na íntegra:

Características dos jogadores

“No primeiro momento levantamos informação de como funcionava o trabalho e fizemos algumas alterações. Respeitamos muito a cultura do clube, da intensidade, da entrega, seja ela dentro ou fora de campo. Tudo precisa ser muito intenso. O clube respira muito a intensidade. Colocamos parte do que é o Corinthians de fato dentro daquilo que achamos ser interessante no processo de formação.

Estabelecemos conteúdos a serem desenvolvidos por categoria. Temos um planejamento vertical do sub-11 que se estende até o sub-20. O treinador tem esses conteúdos pré-estabelecidos, mas é claro que a criatividade do treinador também precisa existir. A gente vem trabalhando muito respeitando a evolução pedagógica, questão da maturação dos jogadores dentro desses conteúdos. Nas primeiras categorias não nos preocupamos tanto com resultado.

Para jogar no Corinthians, o atleta precisa ser participativo, ativo. Isso é muito importante. Cada categoria tem um perfil diferente. No sub-15 a procura é por atletas que se destacam tecnicamente e não atletas fortes, que já tenham sua maduração desenvolvida precocemente. A gente prefere o tardio ou o atleta que esteja dentro da maturação normal, justamente para termos mais paciência acreditando que no futuro ele possa se desenvolver.

Um exemplo é o Malcon, que está no profissional. Ele sempre teve o desenvolvimento muito tardio, mas sempre foi muito técnico. Lá atrás no sub-15 ele tinha dificuldade para jogar por ser franzino.

Temos um perfil por posição. Não trabalhamos com muitos jogadores na linha defensiva, jogadores com baixa velocidade. Ele corresponde os pré-requisitos para jogar em determinada posição? Ele pode jogar em mais de uma posição? São aspectos que a gente vai avaliando até bater o martelo para contratar esse jogador.

A base do Corinthians não é pautada por resultados até a categoria sub-15. No final do sub-17 e início do sub-20, tenho que me preocupar com resultados. Esse jogador terá cobrança quando chegar no profissional. A gente tenta proporcionar a mesma pressão. Até porque, hoje está muito precoce. Se não tiver isso, irá sentir muito mais o impacto no time principal. Tem que ser vitorioso e competitivo. Eu faço essa cobrança pessoalmente.

Iniciamos com o sub-9, mas é só um treino por semana, com atividades lúdicas, só para os atletas terem uma relação inicial com o clube e se identificarem com o Corinthians. Aí tem o sub-11, sub-13, sub-15, sub-17 e dois sub-20.”

Motivo da carência de craques

“As carências que temos no futebol brasileiro se dá a um período em que os clubes não estavam bem economicamente, enquanto a Europa apresentava uma saúde financeira interessante. A saída dos clubes brasileiros naquele momento foi investir em jogadores com perfil europeu. No Sul e no Rio de Janeiro fizeram muito isso. Ou seja, começamos a captar jogadores fora do perfil do futebol brasileiro.

Tinham jogos de sub-15 com atletas desenvolvidos muito precocemente. Garotos com a mesma idade cronológica, mas com diferença biológica de três anos, por exemplo. Acho que isso interferiu diretamente nessa falta de talentos. A gente começou a preterir o talento e a técnica em detrimento de um jogador com perfil europeu. Nesse exato momento, a gente paga muito por isso.

Infelizmente, estatura ainda conta muito. Não aqui no Corinthians. A gente não busca retorno imediato. Mas muitos clubes pecam por conta dessa questão da altura e da força. É lamentável.

Muitos têm a visão de ter a base como caixa para o clube.

O problema é multifatorial. Passa pelo aspecto do desenvolvimento motor, pela gestão e a falta de prática. O repertório motor das crianças de hoje é diferente. Elas estão mais preocupadas com o computador, com o videogame.

A busca incessante pelo resultado, que parte não só pelos clubes, mas a pressão que a CBF também acaba estimulando e cobrando dos técnicos pelo resultado, consequentemente, os jogadores convocados são os que podem dar resultado imediato. E a falta de espaço para a prática de futebol vem diminuindo, ou seja, não se joga mais o joguinho de dois contra dois na rua, porque quando tem qualquer espaço, a primeira coisa que se pensa é construir um prédio.

Também acho que paramos no tempo. O futebol está se desenvolvendo em toda parte do país. Se a CBF, que é a mãe dos clubes, não se atentar a isso, se nós profissionais não pararmos para analisar de fato o que estamos fazendo e se, principalmente, não se reformular essa safra de treinadores, gerentes, coordenadores e diretores, infelizmente, não vejo perspectiva no futebol brasileiro. Precisamos mudar urgente.

Mudar para pessoas de mentalidade nova, com profissionais que possam te dar respaldo. Nem todos clubes têm a condição que temos aqui. Hoje nossa diretoria é muito jovem. Passei por nove clubes e me arrisco a dizer que é a diretoria mais lúcida, porque compreendem o que passamos.

É um desafio para o treinador da Seleção Brasileira porque ele tem pouco tempo com os atletas, sendo que eles possuem cultura e estilo diferentes. Converso muito com o Gallo e ele destaca algumas diferenças de comportamento. Aqui no Corinthians, por exemplo, estimulamos muito a intensidade e a pressão sobre a bola. Após a perda, o primeiro comportamento é pressionar. Em outros clubes, o modelo de jogo é outro. É um desafio muito grande.”

Relação com o profissional

“Promover um jogador aqui no Corinthians atualmente é muito difícil. Economicamente passa por um bom momento e infelizmente no Brasil tem essa prática. Aqueles que não estão bem financeiramente falando acabam promovendo jogadores para o profissional e ficam efetivamente conhecidos como clubes reveladores, mas não é a prática da instituição. É por situação de emergência. Precisamos tomar cuidado para se avaliar isso.

O Corinthians tem uma parceria em Portugal. Temos três ou quatro jogadores negociados por lá. O clube está tendo retorno financeiro. Isso também é formar. Formação não significa só promover o jogador. Evidente que a primeira linha de trabalho é essa, mas o que faço quando o jogador passa cinco anos no clube e não é aproveitado no profissional? É preciso encontrar algumas saídas.

Atualmente temos praticamente a mesma estrutura que o profissional usa. As informações estão diretamente ligadas através de relatórios, de melhores momentos dos jogos do sub-20, do sub-17. A cada jogo a gente manda uma edição dos jogos para o profissional e o relatório geral e específico dos jogadores. Além disso, os auxiliares da comissão técnica, quando podem, estão acompanhando nossos jogos.

Se tem necessidade de tantos jogadores para complementar o treino do profissional, também há essa interação. O Edu me liga e passa o perfil e a posição que precisam ou já passa o nome específico que o Mano pediu. Esse processo tem funcionado bem, até porque a relação é muito boa.

O Edu tem o perfil de conduzir as coisas dessa maneira. Ele foi formado aqui. A visão dele é de abrir possibilidades e apadrinhar os jogadores. Ele tem um carinho muito grande com a base. Isso é um fator determinante para o ambiente ser propício. O inverso também é verdadeiro. Quando um jogador desce, o profissional pede um feedback, como foi o comportamento, como foi a intensidade dele, se se apresentou no horário, como foi o comportamento perante o grupo. Quando acontece, passamos para o Edu dar uma cobrada ‘lá em cima’.”

A chegada e a saída dos atletas

“Tudo gira em torno de informação, independente de onde esse jogador se apresenta para nós. Se vem da peneira, tem o relatório dele e passa por um processo, ou seja, passa pelo nível 1, nível 2, a gente acompanha os conteúdos que também são estabelecidos até para avaliar esses jogadores. Não vamos avaliar um jogador de sub-11 e sub-13 em campo grande. Acreditamos que isso é inviável. Não posso especializar precocemente um jogador. Quem garante que um menino dessa idade que se diz atacante, de fato jogará nessa posição? Nem analiso isso nessas categorias.

Temos um departamento de análise e desempenho com informações e monitoramento de jogadores. Tentamos monitorar o maior número de clubes e filmar o maior número de jogos possíveis. Então, quando um representante indica um atleta, o primeiro departamento que vou recorrer vai ser lá. Aí ele já puxa na central de informações e me dá a edição de vídeo e consigo olhar esse atleta.

Sei que o mercado é aquecido e acelerado, mas tento estancar isso e fazer um trabalho mais tranquilo. Se é um atleta de contrato profissional, acima dos 16 anos, tento ir vê-lo jogar pessoalmente em um jogo de confronto, senão, temos uma rede de observadores que vão acompanhar os jogos e me mandam os relatórios. Independente de ser indicação de clubes, de representantes e diversos vem o relatório aprovando ou não o jogador.

Na dispensa de jogadores, é a mesma coisa. Utilizamos esses relatórios para facilitar esse trabalho. Como tenho parâmetro e informações a todo momento, de como o atleta está jogando, quais são os números e índices que ele está atingindo, o atleta precisa bater uma média. Na Taça São Paulo teve atleta que chegou a 135 ações de alta intensidade, acima de 26 km/h. Todos atletas jogam com GPS. Para se apresentar ou se manter aqui no Corinthians, precisa bater esse número. Tanto a análise quantitativa, quanto qualitativa também. Claro que tem um pouco do feeling também, de entender o momento do jogador.”

Importância da estrutura do clube

“Não é um fator determinante, mas é importante. A base passa por um fator que acaba nos atrapalhando que é a falta de um centro de treinamento. Se temos uma condição de ter todas categorias, o controle de todas essas informações acaba sendo melhor utilizado. Aqui no Corinthians não passamos por um bom momento em relação a isso.

Temos o departamento médico com tudo que é necessário, fisiologia, assistente social, psicólogo. No clube não falta nada em relação a profissionais. Parte dos jogadores ficam alojados em Guarulhos, tem a cozinha, nutricionista.

A questão do colégio também é algo que pegamos muito forte, principalmente na frequência. Já cansamos de tirar jogador das partidas porque tinha faltado três, quatro vezes na escola em uma semana. Temos parceria com alguns colégios, até porque jogador de futebol não é um aluno convencional e precisa de uma flexibilidade.”

Excursão

“Viagem internacional serve para amadurecer no aspecto técnico e também extra-campo. Muitos jogadores nunca saíram do Brasil. Essa questão de aeroporto, cultura diferente, se alimentar de maneira diferente. Muitos irão atuar em outros países no futuro, e isso é algo que o jogador acaba se adaptando a conviver. Contribui também para a cultura de jogo. Só não costumamos fazer essas viagens com os garotos menores, mas a partir do sub-15, a gente sai muito do Brasil.”

Campeonatos

“O sub-15 de 9 a 11 competições no ano, porque o calendário ainda não é padronizado e fica difícil se planejar. O sub-17 de 6 a 7 e o sub-20 de 4 a 5 competições. O que acaba sendo o inverso. O sub-20 deveria ter o maior número de competições, já que o profissional faz muitos jogos por ano.”

Empresários

“A presença do agente no futebol hoje é inevitável. Isso é uma cultura do Brasil. Eu me atento só na parte técnica. Apesar de se relacionar com um empresário ou outro, e essa relação é estritamente profissional, mas ela acontece há algum tempo. O representante oferece o jogador, ele fica de 15 a 20 dias aqui, ou quanto tempo o clube achar necessário, e eu, junto com o treinador, fazemos o relatório sugerindo, ou não, a contratação desse atleta e por quê.

Aqui no Corinthians, tudo toma uma proporção muito grande. Não posso tirar o Malcon de uma Taça São Paulo e colocar o ‘Zezinho’. Todos estão vendo. Não posso preterir um jogador qualificado para colocar um jogador de nível inferior. Joga quem tem condições, até porque investimos muito em formação. Tenho que usar o que tenho de melhor. Seria jogar dinheiro no lixo se chegasse no dia do jogo e falasse para o treinador escalar jogador X porque o empresário dele é ‘tal’. No Corinthians, isso não existe.

A parte técnica aqui é inquestionável. Não sento com empresário ou com pai para discutir questões técnicas. Não existe essa possibilidade, não tem essa abertura. O papel dele é negociar com o clube o que é da parte dele e não contestar. Se não estiver satisfeito, ele pega o atleta dele e vai embora. Não tem problema nenhum. O Corinthians não é refém de jogador.”

Treinadores

“Temos um perfil de treinadores também. Não sou contra ex-atleta ou acadêmico. A gente busca um profissional preparado. Pela estrutura que temos de tecnologia, não é cabível trazer uma pessoa que não compreenda esse processo. Entrevistamos o profissional baseado na linha de raciocínio que acreditamos para o processo de formação e saber se ele de fato corresponde aos conteúdos e linha de trabalho que imaginamos ser interessante. Em 2013 entrevistei 33 profissionais e nenhum me deixou confiante. Promovemos o técnico do sub-15 para o sub-17. Ele teve dificuldades, mas tinha o perfil. Que precisa ter experiência, isso é evidente.”


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