7/11/2014 08:16

Há cem anos, crise e vizinho levaram Corinthians à sua primeira conquista

Clube celebra neste sábado, dia 8, o título do Paulista de 1914, taça que inaugurou as vitórias no futebol e fez da equipe humilde uma das protagonistas do esporte no país

Há cem anos, crise e vizinho levaram Corinthians à sua primeira conquista
Em meio a réplicas das taças da Libertadores, dos cinco títulos brasileiros ou das três Copas do Brasil, um troféu pequeno, de prata, passa praticamente despercebido no Memorial do Corinthians, no Parque São Jorge.

Ao lado dos símbolos de algumas das mais importantes vitórias da história alvinegra, rodeado por peças que atraem, seja pelo tamanho, forma ou significado, não está ali por acaso.

Na verdade, se pudessem, todas as memórias ali expostas se curvariam para prestar homenagem àquele troféu que inaugurou a galeria de um clube que, décadas depois, conquistaria uma série de outros campeonatos.

Nele, a inscrição “Liga Paulista de Foot-Ball” e “S. C. Corinthians Campeão - 1914”. Há 100 anos, aquele troféu pequeno, de prata, não disputava a atenção com nenhum outro ali. Estava sozinho. Afinal, era o primeiro.

Em 8 de novembro daquele ano, a equipe, formada em sua maioria com jogadores oriundos do Botafogo, seu vizinho bairro do Bom Retiro, levantou pela primeira vez a taça do torneio que mais decorou sua sala de troféus, com 27 conquistas – como nenhum outro time. Dois anos antes, o Corinthians era apenas um time de várzea. Literalmente.

A vitória sobre o extinto Campos Elyseos, numa goleada por 4 a 0, uma rodada antes do fim daquele certame, coroou uma campanha perfeita com 10 vitórias em 10 jogos – 37 gols marcados e apenas nove sofridos. Neco, um garoto de 19 anos que durante a carreira assumiria a condição de primeiro ídolo corintiano, foi o artilheiro com 12 gols.

– Saber que a minha família participa dessa história me deixa eufórico. Como imaginar que aquele clube pequeno se expandiria tanto? – diz Luis Alberto Apparício, sobrinho-neto de José Apparício, um dos que balançaram a rede naquele domingo à tarde no Parque Antarctica, o campo utilizado pela LPF, antes de o estádio passar às mãos do Palestra Itália, hoje Palmeiras.



O time campeão em 1914: de pé, Américo, Peres, Amílcar Barbuy, Apparício e Neco. No meio, Police, Bianco e César Nunes. Embaixo, Fúlvio, Aristides e Casemiro Gonzalez

LUTA DE CLASSES NO FUTEBOL PAULISTA
A história do primeiro título do Corinthians no futebol – a equipe já tinha vencido uma prova de pedestrianismo, em 1912 – começa um ano antes, quando o esporte paulista enfrenta sua maior crise desde a criação da Liga, em 1902.

Praticado principalmente pela elite no começo daquele século, o futebol começa a incorporar times varzeanos, formados essencialmente por operários e imigrantes distantes dos círculos sociais que fundariam as forças da época, como o Paulistano, o Internacional, o São Paulo Athletic e o Germânia.

O Corinthians, nas disputas de bairro, arrastava grandes públicos para seus jogos, o que atraiu a atenção da Liga, financiada pela cobrança de ingressos para as partidas de seu torneio. Para jogar o Paulista, porém, a equipe teria que disputar uma eliminatória contra outros dois times, o Minas Gerais e o São Paulo, do Bixiga. Duas vitórias, por 1 a 0 e 4 a 0, respectivamente, deram ao clube o direito de jogar o Estadual pela primeira vez.

Assim, o Corinthians se juntaria ao Ypiranga, que desde 1911 disputava o Paulista, como os únicos de formação varzeana e raízes populares na competição até então dominada por jogadores “delicados e distintos”, como se dizia. A presença dessa parcela da sociedade dividiu os dirigentes em dois grupos: os que queriam evitar essa mistura e os que defendiam o direito de ricos e pobres se enfrentaram num gramado.

Junte-se a isso uma disputa financeira: o Paulistano, dono do Velódromo, exigia 200 mil réis por partida para alugar seu campo à LPF, que falhou em negociar com a equipe. A Liga, então, sem alarde, acertou com o Germânia, proprietário do Parque Antártica, para utilizar o estádio pela mesma quantia, mas por mês.

Foi o que bastou para que o Paulistano abandonasse a Liga e iniciasse movimento para a criação de uma entidade rival, a APEA (Associação Paulista de Esportes Atléticos), que já em 1913 organizou um campeonato paralelo com a presença, também, do Mackenzie e da Associação Atlética das Palmeiras. Os líderes do motim ficaram com o título no torneio recém-criado.

Pela LPF, o Americano foi o campeão. O Corinthians, em sua estreia no futebol oficial, teve participação discreta: uma quarta colocação, com uma só vitória em nove jogos.

A DUPLA NECO E AMÍLCAR
O último jogo do Paulista de 1913, em que o Corinthians já não tinha qualquer aspiração a não ser terminar com dignidade, é o da estreia de um garoto que se tornaria o grande ídolo dos primórdios do clube. Os jornais da época, segundo o jornalista e historiador Celso Unzelte, o chamaram de Nequinho.

O diminutivo cairia nos anos a seguir, e Neco, nascido Manoel Nunes em 1895, tornar-se-ia um símbolo do corintianismo – foi o primeiro a ganhar um busto no Parque São Jorge, em 1929, ainda em atividade.

A história de Neco se confunde com a do próprio Corinthians, ambos nascidos na rua José Paulino, no bairro do Bom Retiro.

O irmão dele, César Nunes, é um dos fundadores do time, presente tanto no primeiro jogo da história corintiana – derrota por 1 a 0 para o União Lapa, dez dias depois do surgimento – como na partida que valeu a taça do Paulista quatro anos depois – além dele, só Francisco Police é remanescente daquela estreia em 1910.

Descendente de portugueses, de família modesta, Neco teve seu primeiro contato com a bola no colégio Liceu Coração de Jesus. Atuou, com o irmão, nos quadros do Botafogo, outra equipe de várzea do mesmo bairro, que depois seria um dos principais fornecedores de jogadores para o Corinthians.



Acima, as imagens de Amílcar e Neco, no Memorial do Corinthians, além do busto do artilheiro do Paulista de 1914, no Parque São Jorge. Abaixo, Amílcar Barbuy Filho mostra o uniforme usado pelo pai na Seleção


Contra o Americano, em 1913, quando defendeu o Corinthians pela primeira vez, Neco passou em branco – viu César fazer o gol do empate em 1 a 1.

No ano seguinte, seria o principal responsável pela taça que inauguraria as conquistas do futebol alvinegro. Com 12 gols, foi o artilheiro daquele campeonato.

– Foi o meu pai quem o viu no segundo quadro do Corinthians e o chamou para o principal – conta Amílcar Barbuy Filho, 89, herdeiro de Amílcar Barbuy, outro grande destaque corintiano nos primeiros anos.

Filho de italianos, Amílcar foi um dos corintianos emprestados ao Palestra Itália na estreia, em 1915, daquele que viria a ser o maior rival alvinegro. Foi, também, o primeiro atleta do time a ser convocado para a Seleção, no Sul-Americano de 1916, na Argentina.

Deixou o Corinthians no começo da década de 1920, com quatro títulos paulistas e 208 partidas disputadas, numa briga com a diretoria do clube, que tirou de seu pai a concessão para venda de bebidas e comidas na sede e no estádio, o da Ponte Grande – casa corintiana antes da Fazendinha. A chateação o levou de volta ao Palestra Itália, então como atleta efetivo.

– Mas ele sempre foi corintiano. Diziam que ele jogava no Palestra com a camisa do Corinthians por baixo – conta Barbuy Filho, que não confirma o boato.

Ele guarda o uniforme do Brasil utilizado pelo pai no Sul-Americano de 1916, branco como seria a camisa nacional até a tragédia do Maracanã, em 1950. Amílcar voltaria ao Corinthians como técnico, na década de 1930, depois de dirigir a Lazio, na Itália. Morreu em 1965, em São Paulo.


Já Neco, além da técnica e do faro para o gol – ainda é o quarto maior goleador da história corintiana, com 239 gols –, ganhou a simpatia da torcida por seu temperamento explosivo. Como torcedor, partiu para a briga com um dirigente adversário que chamou o Corinthians de “time de carroceiros”. Em campo, ameaçava rivais e árbitros com a cinta que segurava seus calções – lenda sempre negada.

Passou toda a carreira no clube, até 1930 – venceu os títulos paulistas de 1914 e 1916, além dos tricampeonatos entre 1922 e 1924 e 1928 e 1930. Defendeu também a Seleção e foi campeão sul-americano em 1919 e 1922. Morreu em 31 de maio de 1977, sem ver o time encerrar o famoso jejum no Estadual daquele ano, em outubro.

BOTAFOGO DO BOM RETIRO, A FONTE DO TIMÃO
– O caminhão passava pela rua, eles avisavam que ia ter jogo e quem quisesse jogar, subia na caçamba – conta Yolanda de Oliveira Silva, 93, filha de Aristides, atleta que atuava tanto na linha como no gol e que, no confronto do título de 1914, passou em branco sob as traves corintianas.

Sem preocupações com contratos ou registros, era assim que se formavam os times da várzea no começo do século 20. E o caminhão do Corinthians passava com frequência pelas redondezas do Botafogo, vizinho no Bom Retiro, famoso pelas brigas e confusões em que costumeiramente terminavam seus jogos.



O time do Botafogo do Bom Retiro, em 1909. Abaixo, os três últimos jogadores são Amílcar (com a bola), Apparício e Neco, antes de se juntarem ao Corinthians, fundado apenas um ano depois

Na tentativa de prevalecer, as duas entidades importaram prestígio ao convidar times italianos para excursionar pelo país. A APEA trouxe o Pro Vercelli, que sofreu três derrotas e empatou duas vezes em São Paulo. A Liga contou com o Torino, que atropelou quase todos que enfrentou, com exceção do Corinthians.

Em dois duelos, venceu um por 3 a 0, indiscutível, e o outro por 2 a 1, resultado que gerou protestos: no gol da vitória, no fim, a bola não teria entrado. A dureza corintiana gerou elogios de Vittorio Pozzo, técnico que mais tarde se tornaria bicampeão mundial com a Itália nas Copas de 1934 e 1938.

Contra rivais mais frágeis e com Neco inspirado, o Corinthians passeou no Paulista da LPF em 1914: venceu todos os seus jogos, algo inédito até então, com um ataque fulminante, que marcou 37 gols, e uma defesa segura, vazada apenas nove vezes. O título foi conquistado uma rodada antes do fim, contra o Campos Elyseos, em vitória por 4 a 0 no Parque Antártica.




– Apesar dos adversários, o Corinthians era muito forte para a Liga – aponta o historiador Celso Unzelte. Força que seria medida no ano seguinte, num triangular amistoso contra os campeões da LPF, o Germânia, e da APEA, a A. A. das Palmeiras, para ajudar a Beneficência Espanhola, com dificuldades. Venceu os dois jogos no que se tornou uma das versões para explicar a alcunha de “campeão dos campeões”, presente no hino alvinegro.

Esse desempenho é ponto importante para a pacificação do futebol paulista, alcançada dois anos depois. Em 1915, o clube se aproxima da APEA para disputar o torneio da entidade, que lhe recusa o convite às vésperas do início do campeonato.

Sem filiação, passa o ano fazendo amistosos. Em 1916, volta à Liga e vence seu segundo Paulista com a mesma facilidade do anterior, invicto. Foi o último organizado pela LPF, que se fundiu à APEA.

– Era um movimento para a inclusão do Corinthians no que eu chamo de “liga dos ricos”. Tanto que o Corinthians é o único time da LPF que ainda existe, é um sobrevivente. Não fosse o Corinthians, e a APEA poderia apenas esperar a Liga se desfazer – explica Unzelte.

Como se sabe, a história corintiana não terminou ali. O time da várzea rapidamente ascendeu a protagonista, primeiro paulista, então brasileiro e, libertado, também mundial. Cem anos depois, aquela primeira taça pequena, de prata, não mais dorme sozinha. Hoje tem a companhia de tantos troféus quanto é possível contar.



Herdeiros dos jogadores de 1914 carregam a taça daquela conquista em homenagem realizada no Parque São Jorge


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14478 visitas - Fonte: GloboEsporte

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