O projeto de renegociação das dívidas dos clubes foi aprovado nesta quarta-feira na comissão especial formada para discutir o tema na Câmara dos Deputados. Após mais de quatro meses de debates e polêmicas, os parlamentares aprovaram quase por unanimidade o texto do relator Otávio Leite (PSDB / RJ), que prevê prazo de 25 anos para que os times paguem seus débitos. Em contra-partida, as equipes ficarão sujeitas até mesmo ao rebaixamento em caso de dívidas com a União.
A proposta segue agora para apreciação no plenário da Câmara dos Deputados. Se aprovada, terá que passar ainda por votação no plenário do Senado Federal.
- É um projeto que melhora o futebol no ponto de vista da gestão administrativa dos clubes. Há uma série de imposições que foram estabelecidas para permitir que os clubes sejam mais transparentes e tenham maior responsabilidade fiscal. Ao mesmo tempo, permite uma saída do atoleiro - defendeu o relator Otávio Leite.
- Estou otimista de que seja votada o quanto antes no plenário, até porque há uma necessidade urgente. A Copa do Mundo está aí e é necessário que a gente deixe esse legado aos clubes brasileiros e ao esporte como um todo, porque não trata somente de times de futebol - completou o presidente da comissão, deputado Jovair Arantes (PTB / GO).
Principal interlocutor do Ministério do Esporte nos debates sobre o tema, o secretário nacional de Futebol, Toninho Nascimento, também se mostrou satisfeito com a aprovação na comissão e voltou a defender o projeto.
- Porque só o futebol não pode ter refinanciamento? O governo vai ganhar algo em torno de R$ 140 milhões por ano. Não estava ganhando nada nos últimos anos. O governo vai receber de volta tudo o que devem. E se os times não pagarem, serão rebaixados, a dívida volta integral, não vão conseguir as certidões de débitos. Vamos forçar os times a terem uma gestão mais moderna, mais transparente - afirmou o secretário.
Único a votar contra, Romário questiona deputados ligados a times
Ao contrário da última tentativa de votação, quando houve muita discussão e polêmica, a sessão desta quarta-feira foi rápida e tranquila. O único deputado que se posicionou contra a aprovação do projeto foi Romário (PSB / RJ). A principal reclamação do ex-jogador foi por conta da retirada do texto de artigos que previam o aumento nos tributos da CBF e a possibilidade de submeter a entidade a auditorias por órgãos de fiscalização.
- Se estivessem aprovando a íntegra do relatório, podem ter certeza que eu estaria de acordo. Mas, infelizmente, o texto acabou ficando bem diferente do que eu entendo que teria que ser. Respeito todos que votam sim, mas o meu voto e do PSB é não - afirmou o Baixinho.
Romário também questionou o envolvimento de pelo menos cinco deputados da comissão com times de futebol. Vicente Cândido (PT / SP) é vice-presidente da Federação Paulista de Futebol e tem ligações com o Corinthians; Guilherme Campos (PSD / SP) é vice-presidente da Federação Paulista de Futebol e ex-presidente da Ponte Preta; Arnaldo Faria de Sá (PTB / SP) é conselheiro da Portuguesa; José Rocha (PR / BA) é conselheiro do Vitória; e o presidente da comissão, Jovair Arantes, é vice-presidente do Atlético-GO.
Segundo o Baixinho, o fato de os deputados terem ligações com os clubes os impediria de participarem da votação de acordo com o regimento interno da Câmara.
- O regimento diz que tratando-se de causa própria ou de assunto com interesse individual, o deputado deverá se fazer como impedido. Os parlamentares têm interesse na matéria e, por isso, peço que os votos sejam considerados em branco - protestou o ex-jogador.
O pedido foi rejeitado pelo presidente Jovair Arantes, que disse que se Romário quisesse levar a reclamação adiante deveria procurar a Comissão de Constituição e Justiça da casa.
Citado pelo Baixinho, o deputado Vicente Cândido se defendeu.
- Se assim fosse, trabalhador não poderia votar matéria de trabalhador e empresário não poderia votar matéria de empresário. Não estou votando em causa própria, não sou dono de clube e não sou beneficiado pessoalmente em qualquer voto meu aqui. Estou votando em uma matéria de repercussão geral para o esporte brasileiro.
Entenda detalhes do projeto de renegociação das dívidas
A proposta de renegociação das dívidas dos clubes - que podem chegar a R$ 4 bilhões - começou a ser discutida no Congresso Nacional em 2013, com a apresentação do Proforte (Programa de Fortalecimento dos Esporte Olímpicos). A ideia inicial era de que os times pudessem quitar até 90% das dívidas por meio de investimentos em esportes olímpicos, com a concessão de bolsas a atletas e compra de equipamentos. Os 10% restantes seriam pagos em dinheiro.
A proposta enfrentou rejeição na comissão especial formada para discutir o tema. O relator, Otávio Leite, apresentou então um projeto substitutivo, que ganhou o nome de Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte (LRFE). De acordo com o novo texto, será dado um prazo de 25 anos para que as instituições esportivas - o que não inclui apenas clubes de futebol - possam quitar suas dívidas com a União (débitos relacionados ao INSS, Imposto de Renda, FGTS, Timemania e Banco Central).
Apesar de acabar com a possibilidade de troca de parte dos débitos por incentivos em esportes olímpicos, o substitutivo prevê algumas condições especiais. A taxa de juros aplicada ao parcelamento seria a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que conta com índices bem menores do que a Selic, taxa normal. Há ainda a possibilidade de pagar apenas 50% das 36 primeiras parcelas, facilitando a adequação financeira dos clubes. Os outros 50% deste período seriam pagos apenas ao fim do parcelamento.
O substitutivo mantém os conceitos do "fair play financeiro", propostos no texto inicial. A ideia é que os clubes sejam obrigados a apresentar as Certidões Negativas de Débitos (CNDs) para poderem participar das competições. Os times que não cumprissem a regra, correriam risco até de rebaixamento. Para entrarem no refinanciamento, os clubes também ficariam proibidos de antecipar receitas que estejam além do fim do mandato das diretorias. Os mandatos ficam restritos a um período máximo de quatro anos, com a possibilidade de apenas uma reeleição.
Para compensar o fim da possibilidade de troca de dívidas por investimentos em esportes olímpicos, o novo texto também propõe a criação de um Fundo de Iniciação Esportiva (IniciE), destinado a apoiar projetos para crianças e jovens matriculados em escolas da rede pública ou em instituições especializadas reconhecidas pelo Ministério da Educação. A distribuição do fundo seria descentralizada - cada estado seria responsável por gerir seus próprios recursos. O dinheiro seria arrecadado por meio da loteria e da Lei de Incentivo ao Esporte.
Entre as novas formas de loteria que seriam autorizadas pelo projeto, está a criação de uma raspadinha ligada aos clubes. O texto prevê também a possibilidade de criação de um sistema de apostas online, que seria executado, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal ou por algum novo órgão que poderia ser criado pelo Poder Executivo.
A proposta ainda autoriza a Caixa a promover mudanças na Timemania, de forma a tornar o sorteio mais atraente, e isenta os prêmios da Loteca, da Lotogol e da própria Timemania do desconto do Imposto de Renda, aumentando o benefício pago aos apostadores.