7/5/2014 20:51

Profissão, pai de jogador: benefícios e problemas de uma relação difícil

Torcedores, patrocinadores e amigos, eles muitas vezes sonham junto com os filhos em ter uma vida melhor, mas às vezes colocam a carreira dos meninos em risco

Marcos Antônio da Silva, de 48 anos, trabalhava como descarregador de caminhões até o momento em que enxergou a possibilidade de um futuro melhor na família. O filho dele, Gerson, se destaca na base do Fluminense há algum tempo e, aos 16 anos, já é titular dos juniores. Meia canhoto, é o jogador mais badalado de sua geração e assinou o primeiro contrato, que deu à família um pouco mais de tranquilidade financeira. E Marcão, como é conhecido no mundo de futebol, passou a ser apenas pai. Pai profissional.

- Ser pai de jogador promissor gera muitos problemas, como a inveja dos outros e a necessidade de acompanhar todos os passos do meu filho. Aqui em casa, montamos um Projeto Gerson e vivemos em torno dele. Deixei meu emprego e fiz um acordo com os empresários dele, para poder me dedicar exclusivamente aos cuidados com meu filho, recebendo um salário. E marco em cima, porque sei que a vida de jogador de futebol é muito difícil e precisa ser regrada. Vivo intensamente para ele.

A situação de Marcão é comum no futebol brasileiro. Muitos pais largam tudo o que fazem, ou pelo menos adaptam suas vidas à rotina dos filhos, para acompanhar jogos e viajar juntos com a família por todo o Brasil e pelo exterior. Na arquibancada, incentivam, gritam, cobram, xingam árbitros e formam uma espécie de torcida organizada, sentando quase sempre juntos uns dos outros.

Os pais entendem que a sua presença é necessária para que os meninos se sintam bem, seguros e possam se desenvolver em um mundo extremamente competitivo. William Machado, de 45 anos e pai de Guilherme Costa, meia dos juniores do Vasco, define esse suporte como fundamental e conta que tomou a decisão de mudar de vida para estar mais perto do filho e ajudar quando necessário.

- Eu era executivo, tinha um bom emprego, mas larguei tudo e passei a ser autônomo, para dar uma assistência ao Guilherme. Fiz isso quando vi que ele perdeu uma convocação para a Seleção em 2008 por não ter passaporte. E não me arrependo - diz William, que acompanha o filho em todas as partidas e esteve com ele nos Sul-Americanos Sub-15, em 2009, e Sub-17, em 2011, além do Mundial Sub-17, também em 2011, disputado no México.
Guilherme Costa Vasco (Foto: Marcelo Sadio/Flickr Vasco da Gama)

Guilherme Costa perdeu convocação e motivou pai a ficar mais perto (Foto: Marcelo Sadio/Vasco)

Marcelo Vojnovic, pai do zagueiro Lyanco, do sub-17 do Botafogo, é outro que encontrou uma solução criativa para ficar próximo: vendeu uma loja que tinha em Vitória, no Espírito Santo, e se mudou para o Rio de Janeiro. E, percebendo a dificuldade que o filho tinha em conseguir um lugar para ficar, montou um alojamento que hoje atende a 20 atletas em Xerém, na Baixada Fluminense, e pode ser ampliado nos próximos anos, dependendo da demanda.

- Acabei transformando o sonho do meu filho no meu ganha-pão, enxerguei essa oportunidade. E aqui tenho a chance de acompanhar o Lyanco aonde ele for, e dar esse apoio que é extremamente necessário. Sei do risco de dar errado, mas, se der errado no futuro, quando ele tiver a vida dele construída, jamais poderá dizer que eu não o apoiei.

O acompanhamento descrito por Marcelo acontece de várias maneiras, com os pais indo aos jogos, gerenciando a carreira dos filhos e às vezes até falando por eles, como Neymar pai, que criou uma empresa para gerenciar a carreira do craque do Barcelona.

Família e clube: uma relação necessária, mas às vezes problemática

Os coordenadores de base dos maiores clubes do país entendem o novo contexto do futebol e sabem que a relação com a família é necessária. Alguns clubes, como o São Paulo, chegam a fazer reuniões com os pais para explicar a situação e alertar que há riscos de a carreira não ser bem-sucedida. O Grêmio aposta no diálogo e na proximidade física com a família para fazer com que o garoto aumente de rendimento.

Se todo pai acha que tem um Neymar em casa e eu trabalho com 300 garotos, eu teria aqui 300 Neymares. Imagina o custo disso?

Fernando de Simone, da base do Fluminense


A necessidade da proximidade com a família do atleta é consensual entre os coordenadores, mas eles também apontam problemas nesse relacionamento, que podem atrapalhar o desenvolvimento do próprio menino.

- Todo pai acha que tem um Neymar em casa, mas o Neymar é exceção. Tenho colada na parede da minha sala uma estatística que diz que 85% dos jogadores brasileiros ganham menos de seis salários mínimos e apenas 3% ganham acima de 12 salários mínimos. E tento explicar isso aos pais. Para existir um Neymar, milhões ficaram no meio do caminho - analisa João Paulo Sampaio, coordenador dos profissionais do Vitória, que trabalhou na base do clube por quase uma década.

Fernando de Simone, do Fluminense, reforça a frase e acrescenta que essa situação pode comprometer financeiramente o clube, se não for bem administrada.

- Se todo pai acha que tem um Neymar em casa e eu trabalho com 300 garotos, eu teria aqui 300 Neymares. Imagina o custo disso?
info Frases Pais (Foto: infoesporte)

Essa esperança de que o filho vai triunfar em um mundo extremamente competitivo gera efeitos colaterais, como, por exemplo, uma intromissão excessiva nos treinamentos - o que levou os grandes clubes a proibirem a presença dos pais nos treinos - e gritos frequentes na arquibancada de orientações contrárias às que os treinadores pedem.

Carlos Leiria, técnico do Inter sub-16, lembra o caso de um pai que pedia, em todos os jogos, para que o filho - que desempenhava bem a função de zagueiro - fosse deslocado para o meio-campo.

- Quando fomos falar com o pai, ele respondeu: "Lá na minha pelada ele é meia-esquerda e faz um monte de gols". Aí perguntamos se ele queria o filho como amador ou profissional. Há um abismo entre os dois níveis.

Luciano Moraes, técnico dos juniores do Audax-RJ, é outro que conta histórias sobre a influência dos pais e afirma que alguns garotos chegam com instruções paternas na ponta da língua, mas tenta administrar essas situações sem perder o bom humor.

- Esse negócio de pai é o seguinte: quando o filho dele joga, você é o Felipão, o melhor técnico do mundo. Quando não joga, você não presta. Assim, 11 pais me amam, sete me aturam porque os filhos ficam no banco, e o resto me odeia.

 

Interferência, pressão e treinamento excessivo

Outro problema apontado pelos coordenadores de base é a interferência no momento de assinar o primeiro contrato profissional, quando o garoto tem 16 anos. Há casos de pais que vendem a mesma fatia dos direitos de seus filhos para vários empresários. E há também os que oferecem o menino para outros clubes e empresários, situação mais comum em centros mais distantes.

Há pais que, além do futebol, põem o menino na natação, no pilates, e isso sobrecarrega e atrofia a musculatura do garoto

João Paulo Sampaio, da base do Vitória


- Já teve pai que chegou dizendo que poderia levar o filho para um clube grande. E falou isso como se estivesse fazendo um favor para nós. Há pais que chegam e dizem: "Vim buscar o meu produto". Tratam o filho como mercadoria - conta Márcio Schmidt, diretor da base do Rondonópolis-MT.

Erasmo Damiani, coordenador da base do Palmeiras, conta que tenta fazer o pai entender que o sonho de se tornar jogador de futebol não é dele, e sim do filho. Mas que muitos continuam vendo o jogador que têm em casa como solução para os problemas financeiros da família, o que, segundo ele, prejudica também a formação do jovem como cidadão.

Nos casos mais extremos, há relatos de garotos que, após errarem lances em campo, são agredidos pelos próprios pais. E existem os casos de dirigentes que foram ameaçados pelos pais para não denunciarem jogadores com idade adulterada e jogadores que, após fazerem sucesso, são processados pelos pais, que pedem pensão alimentícia.

João Paulo Sampaio, do Vitória, conta também que vê frequentemente situações em que o pai, sem maldade, submete o filho a um excesso de treinamento, pensando que está fazendo a coisa certa.

- Há pais que, além do futebol, põem o menino na natação, no pilates, e isso sobrecarrega e atrofia a musculatura do garoto. Às vezes, a gordura faz parte do crescimento de uma criança, de um adolescente. Aqui todos os profissionais são formados em educação física e há uma preparação adequada, mas lá fora não podemos controlar. Uma vez, eu estava na praia ao meio-dia e encontrei um pai dando um treino para um jogador daqui, debaixo de um sol de rachar. Isso é prejudicial.
Elias, Davi e Eliseu (Foto: Arquivo Pessoal)

Eliseu diz ter se formado em Direito para dar suporte a Elias nas negociações (Foto: Arquivo Pessoal)

Psicólogo da base do Palmeiras, Marcelo Abuchacra explica que essa pressão excessiva sobre os meninos pode ter consequências ruins na formação, até mesmo em aspectos que influenciam na carreira e no desempenho em esporte de alto rendimento.

- Muitas vezes, o pai tenta se colocar no lugar do treinador e, em vez de educar o menino, se preocupa apenas em cobrar. O esporte, que deveria ser uma prática prazerosa, se torna uma condição para que ele faça o pai sentir orgulho dele. Quando não há esse suporte e o pai não o educa como cidadão, o garoto pode desenvolver vários problemas emocionais em longo prazo, como dificuldade em lidar com pressão, baixa autoestima e baixa tolerância a críticas, pois passou a adolescência sendo criticado por todos os lados e sem o respaldo necessário. Em casos mais avançados, pode surgir até uma depressão.

Pais, empresários e pais empresários

Um dos principais mediadores na relação entre pais e clubes é o empresário do jogador. Normalmente, há um acordo entre pais e empresários no qual os primeiros recebem uma soma financeira e repassam um percentual dos direitos econômicos sobre os filhos. Mas a conta não está só no dinheiro.

- A relação ideal entre pai e empresário é uma parceria, na qual o empresário entra com a rede de contatos que tem e a experiência no mundo do futebol, e o pai faz a interface entre o empresário e o garoto, expondo os anseios, os sonhos da família. A relação entre pai e filho é inquestionável, insubstituível, única, mas o pai não tem a experiência que o empresário tem na hora de tomar as decisões certas. No máximo, acompanha um caso, enquanto o empresário já negociou várias vezes em situações diversas - explica Eduardo Uram.

A relação entre pai e filho é inquestionável, mas o pai não tem a experiência que o empresário tem na hora de tomar as decisões certas

Eduardo Uram, empresário


Ele cita o relacionamento com Laís, pai do meio-campista Ibson, como uma parceria bem-sucedida e crê que há riscos quando é o pai que negocia diretamente com o clube. Usa como exemplo a situação de um cardiologista, que, ainda que seja o melhor do mundo, poderá ter dificuldade em operar um filho. Em menor escala, diz ele, é o que acontece quando o pai de um jogador toma as decisões.

Há, no entanto, quem prefira administrar a carreira do filho e encare o mercado do futebol sem medo. É o caso de Dejair Ribas da Cunha, pai de Diego, meia do Atlético de Madrid, e Eliseu Trindade, pai do meio-campista Elias, do Corinthians. Este, aliás, recusa-se a ser definido como empresário ("sou um servidor público e atuo como representante do meu filho". Diz que ajuda a quebrar um tabu e argumenta que antigamente os pais não se preocupavam em participar da negociação:

- Eles vinham de camadas pobres, não tinham preparo e deixavam seus filhos nas mãos de empresários. Muitos são sérios, mas alguns não são.

Ele reconhece que a falta de contatos no mundo da bola foi bastante complicada no início, mas fala com orgulho de sua trajetória na vida ao lado do filho.

- Sou de família pobre, negro, morei em favela, fui o primeiro da família a ter diploma universitário e me formei em direito justamente para poder dar esse suporte ao Elias, porque sempre banquei ele, comprei o material esportivo dele, nunca precisei de ninguém para fazer isso, então me imponho nas negociações. É uma equação complicada, juntar o pai, o representante e o amigo, mas é maravilhoso quando os objetivos são conquistados.


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