5/5/2014 08:34
'Atrasada', Fifa quis mudar 'geometria estranha' de estádio corintiano.
Daqui a exatamente treze dias, a Arena Corinthians vai receber o seu primeiro jogo oficial. Para os torcedores que esperaram anos por isso, um dia histórico. Mas só quem acompanhou todo esse processo, desde o início, pode contar o que o clube passou para transformar um sonho de mais de 30 milhões de pessoas em realidade. O dono do projeto, arquiteto da obra, Anibal Coutinho, conta detalhes de toda essa caminhada, em entrevista para o ESPN.com.br.
O especialista tem ainda uma história particular: ele rompeu com a Fifa, depois de ouvir que o estádio tinha uma "estranha geometria" e ouvir inúmeras exigências de mudanças e mais mudanças. Segundo Anibal, inclusive, foi esse o momento mais difícil até agora: convencer a entidade máxima do futebol que a ideia era uma inovação e não um erro.
"[O momento mais difícil] Foi de convencer a Fifa de que nosso estádio era uma inovação e não um atraso, um estádio errado. No primeiro relatório eles diziam que nosso estádio tinha uma estranha geometria. A Fifa tem uma visão muito cristalizada do que deve ser um estádio. A maior dificuldade foi essa. Em algumas vezes, foi desagradável e deselegante. E a outra foi de convencer todos os envolvidos de que o estádio tinha que ter um acabamento superior porque esse espaço vai gerar receitas. Os 35 jogos vão ser um episódio na vida do estádio. O uso diário é o que vai dar dinheiro", afirmou Anibal.
Para o arquiteto, a Fifa é uma entidade que olha para trás e o Corinthians, olha para frente. Conservadora, para não correr riscos com o maior evento esportivo do mundo.
"Por ser um estádio quadrado, com fundos abertos, sem esquinas, tudo isso... Se os estádios fossem iguais, esse seria o ideal para a Fifa. A Fifa é uma entidade que olha para trás e a gente olha para frente. Ela olha pro que não deu certo e a gente olha pra frente. A Fifa, para não correr risco nenhum, ela prefere ter uma atitude completamente conservadora. Eu não vejo a Fifa como uma opositora sem princípios. O discurso de que ela está preocupada com a sustentabilidade dos estádios não é minimamente verdadeiro. Ela está preocupada com a Copa e com a sustentabilidade financeira dela", completou.
Depois de alguns meses, com mais tranquilidade, o arquiteto faz uma avaliação mais fria da presença da Fifa no estádio. Apesar de todos os conflitos, ele acredita que, no final, a entidade fez bem para o clube, ajudou a melhorar, mesmo com toda a inflexibilidade em relação ao projeto.
"No fim, acho que o projeto melhorou com ela. Fez bem. Acho que a Fifa poderia ter feito um esforço de usar o estádio na nossa versão, para que não precisasse de tantas modificações. A Fifa é dura, mas o Corinthians também é. Muita gente fala que a Fifa agiu de má fé, que fez muitas exigências, eu não acho isso. Não acho que ela tenha feito nenhuma exigência absurda. Eu entendo absolutamente a posição dela. De não correr risco. E eu entendo absolutamente a nossa posição, de não correr risco na rentabilidade do estádio", finalizou.
Abaixo, você pode ler parte da entrevista com o arquiteto da Arena Corinthians, que se aprofunda nesses assuntos e conta ainda outros bastidores sobre todo o processo de construção do estádio.
ESPN.com.br - Você acha que foi uma bobagem fazer a Copa para o projeto?
Aníbal Coutinho - Não consigo avaliar. Tem prós e contras. Tem a vantagem de ter toda a estrutura de acesso acelerada, tem também algumas vantagens do ponto de vista político, e a desvantagem de ter ficado maior do que deveria, mais complexo, e o de ter gastado mais do que queria. Se fosse só para o Corinthians seria mais compacto e mais barato. Esse ano de 2014 não teria sido perdido também. Tem sempre os dois lados.
ESPN - O que mudou do projeto inicial para agora?
AC - Do projeto antes da Copa mudou muita coisa. O posicionamento de camarotes, a capacidade, tivemos que crescer as arquibancadas superiores para atingir o número para a Copa do Mundo, mesmo com as arquibancadas definitivas. Algumas outras mudanças como de infraestrutura na parte da garagem. A área construída também aumentou um pouco. Tivemos que levantar o estádio para que tivesse uma altura maior para ter mais estruturas provisórias.
ESPN - Qual foi a maior dificuldade que vocês tiveram desde o início das obras?
AC - Uma foi de convencer a Fifa de que nosso estádio era uma inovação e não um atraso, um estádio errado. No primeiro relatório eles diziam que nosso estádio tinha uma estranha geometria. A Fifa tem uma visão muito cristalizada do que deve ser um estádio. O nosso é um pouco diferente porque foi customizado para o Corinthians. A maior dificuldade foi essa. Se a gente tivesse feito um estádio desconsiderando o que a gente precisava para a Copa do Mundo, provavelmente ele estaria pronto. E a outra foi de convencer todos os envolvidos de que o estádio tinha que ter um acabamento superior porque esse espaço vai gerar receitas. É isso que vai dar rentabilidade ao clube, o uso dos espaços de convenção. Os 35 jogos vão ser um episódio na vida do estádio. O uso diário é o que vai dar dinheiro. Por isso, fizemos um estádio com acabamento melhor que os outros.
ESPN - Quais envolvidos você teve de convencer? O Corinthians?
AC - Não. O Corinthians nunca teve resistência. Mas todos os outros, os consultores, a própria construtora. Porque sempre tinha uma comparação com outros estádios. Até que chegasse ao entendimento de que o que se fez foi um investimento e não um desperdício, demorou. O Corinthians participou desde o começo do processo, ele sabia que tinha essa necessidade. Há uma coisa arraigada no mercado brasileiro é de que pra diminuir o preço total é preciso diminuir o acabamento e isso é uma inverdade absoluta. O acabamento é um percentual ínfimo no custo final da obra. Mas o mercado de engenharia tem isso. O impacto é pequeno e o retorno é enorme. Um prédio com ar condicionado gera muito retorno, por exemplo. Eu não diria que isso é uma oposição de má fé, não é. É simplesmente uma busca de diminuir preço, buscar preços melhores. Sempre se pensa no que vai ser visto.
ESPN - O que é o principal para encarecer o estádio?
AC - É uma soma de pequenas coisas. Esse estádio não pode ser considerado caro, em nenhuma de suas partes. A área construída, a qualidade das instalações, ele está muito acima dos outros. Mesmo se não tivesse o acabamento. Ele já foi feito com um cuidado maior, para funcionar todo dia.
ESPN - Quando você falou do primeiro relatório, a Fifa não conhecia o projeto?
AC - A Fifa veio a conhecer o projeto ali. A Fifa não é uma só, ela distribui isso para consultores e eles vão analisando com suas experiências anteriores. É diferente de um arquiteto que olha para o futuro. A gente olha para a frente, não olha a ré. A Fifa é uma entidade que olha para trás e a gente olha para frente. Ela olha pro que não deu certo e a gente olha pra frente. Ao fazer uma coisa inovadora, ela é diferente do que passou. A Fifa, para não correr risco nenhum, ela prefere ter uma atitude completamente conservadora. Eu não vejo a Fifa como uma opositora sem princípios, não é isso. A Fifa quer diminuir a quantidade de problemas e não correr riscos. Ela não dá a mínima para se o estádio vai dar dinheiro depois ou não. O discurso de que ela está preocupada com a sustentabilidade dos estádios não é minimamente verdadeiro. Ela está preocupada com a Copa e com a sustentabilidade financeira dela. Não com a de depois do estádio. Quem tem de zelar pela do Corinthians é ele mesmo.
ESPN - Mas ela propôs mudanças no projeto do estádio?
AC - Sempre propôs mudanças. Sempre. Até um ponto em que eu me desliguei do processo porque não queria mais participar das discussões de oposição que a Fifa faz. Em algumas vezes, foi desagradável e deselegante.
ESPN - Que tipo de coisa?
AC - Não quero falar. Isso não vou falar.
ESPN - Mas queria mudanças na arquitetura?
AC - Por ser um estádio quadrado, com fundos abertos, sem esquinas, tudo isso... Se os estádios fossem iguais, esse seria o ideal para a Fifa. Eu não considero que a atitude da Fifa tenha sido intencionalmente ruim ou má. Algumas observações que ela fez nos ajudou a melhorar o estádio. Estavam corretas. E outras eu continuo achando que a gente tem razão. Mas eu entendo a posição da Fifa, de não querer problemas, de não querer correr riscos.
ESPN - Mas você tinha o seu lado também e defendia a manutenção do projeto...
AC - Exatamente. E nesse ponto, a inflexibilidade da Fifa é de não ver o outro lado. Eu acho que a Fifa tinha que ver isso. No final, acho que se flexibilizou bastante. Mas no começo era isso, não queria apostar, tinha medo de que não dava certo. E a gente tinha convicção de que esse era o estádio do Corinthians. Pra deixar bem claro esse assunto, eu não acho que a Fifa tenha sido ruim para nós. Não foi. No fundo, a gente acabou se certificando do que tínhamos mais convicção e outra parte nós alteramos, o que a gente achou que ela tinha razão. Parte de competição, por exemplo, de vestiários, nós acatamos algumas coisas, de imprensa, de coisas que ela tem muita experiência. Acho que o projeto melhorou. E em outras questões, de acessibilidade, e outras coisas, acho que a Fifa poderia ter feito um esforço de usar o estádio na nossa versão, para que não precisasse de tantas modificações. A Fifa é dura, mas o Corinthians também é. Foi uma relação produtiva para as duas partes. Nós não colocamos a Fifa como inimiga, nem nós como vítimas, nada disso. São entidades com pontos de vista antagônicos, mas de boa fé, dos dois lados. Muita gente fala que a Fifa agiu de má fé, que fez muitas exigências, eu não acho isso. Não acho que ela tenha feito nenhuma exigência absurda. Eu entendo absolutamente a posição dela. De não correr risco. E eu entendo absolutamente a nossa posição, de não correr risco na rentabilidade do estádio. Não vejo a Fifa como vilã, nem a gente como vítima. E não vejo como a Fifa tenha aumentado os gastos com o estádio. A Copa do Mundo, sim. Mas foi uma decisão tomada pelo clube e que não me cabe questionar.
ESPN - O que falam do aumento dos custos por causa da Fifa é em relação às estruturas temporárias, de que não havia ficado claro quem deveria pagar...
AC - É, tem isso. Mas eu não acho também que ela tenha sido um mal necessário. Não acho. Acho até que ela foi um bem. Para uma entidade competitiva como é o Corinthians, ela fez muito bem. Fez a gente procurar uma iluminação melhor do que a gente tinha, um campo melhor do que os outros, em vários aspectos a gente quis superar o padrão Fifa. Isso foi bom. O Corinthians é muito competitivo, até na hora de construir o estádio. E foi assim que ele foi com a Fifa. Em última análise, a convivência foi boa. Fez a gente melhorar.
ESPN - O ponto do projeto do estádio, de estrutura geométrica, era impossível de mudar, não?
AC - Sim. E agora eles estão vendo o estádio pronto. A gente precisava ter essa geometria, para colocar a torcida mais perto, colocar diferentes preços de ingressos. Era importante pra gente. O estádio circular deixa a visibilidade muito homogênea. No nosso estádio, tem muitos lugares diferentes.
ESPN - Quando você rompeu com a Fifa, como foi isso?
AC - Na realidade, tem essas pessoas que a Fifa trabalha, e em um certo momento tiveram algumas atitudes deselegantes no meu entendimento. E eu resolvi que não deveria continuar, dar seguimento nisso. Eu achei que poderia ter atritos desnecessários e o interlocutor mudou e passamos por isso. Na última parte foi muito bem.
ESPN - Do que você mais se orgulha no estádio?
AC - Eu me orgulho de ter trabalhado para o Corinthians. De ter tido todo o companheirismo das pessoas de lá. De ter trabalhado com uma equipe solidária. O apoio primeiro do Luis Paulo Rosenberg, em todo o tempo do Andrés Sanchez, sempre me apoiaram muito e nos momentos mais difíceis eles estiveram ao lado do projeto. Isso me orgulha muito.
ESPN - Você pensou em desistir?
AC - Quase todos os dias (risadas). Mas é um pensamento que sai rápido. Eu também sou muito competitivo. Pensar a gente pensa, mas executar jamais.
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