Antes de se tornar um dos maiores ídolos da história do Corinthians, o ex-jogador Sócrates quase foi parar no arquirrival São Paulo. A negociação com o clube do Morumbi estava praticamente fechada quando dirigentes do Timão entraram na jogada, foram a Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e contrataram o jogador, então no Botafogo-SP, em 1978.
Em 1987, a história se inverteu. Depois de marcar três gols no Corinthians, no Pacaembu, Raí, irmão de Sócrates, despertou o interesse dos dirigentes alvinegros. Eles insistiam em levar o destaque do Botafogo para o Parque São Jorge, mostrando ao meia que o caminho do sucesso já havia sido percorrido pelo Doutor.
Mas as investidas foram em vão. Neste domingo, Raí estará em campo novamente. Ele entrará no gramado do estádio Santa Cruz, em Ribeirão, para dar o pontapé inicial da partida entre Botafogo e São Paulo, pelo Paulistão. Uma homenagem do clube que o revelou, com a participação da equipe que o consagrou.
Segundo o próprio Raí, com medo de levar um novo chapéu do Corinthians, os dirigentes do São Paulo foram mais espertos e viajaram até Ribeirão Preto dispostos a levá-lo a qualquer custo. Fizeram uma vigília na casa dele para garantir a assinatura e evitar que algum corintiano aparecesse antes.
- Depois da minha passagem pela seleção brasileira, surgiram vários clubes interessados. O Udinese tentou, mas achei que era cedo para deixar o Brasil. A diretoria do Corinthians já me procurava, principalmente depois daquela vitória por 4 a 3, no Pacaembu. Nesse jogo, fiz três gols e um diretor me entregou um cartão, pedindo para procurá-lo.
Mas o São Paulo, acho que traumatizado com a negociação do Sócrates com o Corinthians, veio até a minha casa em Ribeirão Preto, conversou com o meu pai, com a minha mãe e me levou embora. Pelo passado do Magrão e pela minha convocação para a seleção brasileira, se eu não tivesse acertado com o São Paulo, com certeza eu teria ido para o Corinthians - diz Raí.
Raí foi vendido para o São Paulo após marcar três no Corinthians
O ex-jogador lembra de um diretor são-paulino ter ido até sua casa no interior de São Paulo, mas não recorda o nome.
- Um diretor que trabalhava com o Juvenal (Juvêncio, atual presidente tricolor) no departamento de futebol foi a Ribeirão, apareceu na casa do meu pai e disse que só sairia de lá com o contrato assinado (risos). Ele foi firme mesmo - completa Raí.
O receio era tão grande que, segundo o colunista da CBN Ribeirão e setorista do Botafogo na época, Adalberto Valadão, os são-paulinos chegaram a Ribeirão Preto com uma mala de dinheiro.
- A negociação foi muito rápida porque o São Paulo estava com medo do Corinthians e de outros times o levarem embora. Existia a sombra do Sócrates, sim. Mas eles vieram com uma mala cheia de dinheiro vivo e não teve jeito - conta Valadão, que não recorda os valores da transação, mas lembra que eram menores do que o oferecido ao irmão Sócrates.
Presidente no biênio 82/83, quando Raí iniciava sua carreira no Botafogo, Miguel Mauad afirma que a negociação com o São Paulo ganhou uma dramatização graças ao presidente da época, Osvaldo Silva, o Vadão.
Segundo Mauad, que fazia parte da diretoria na época, a sombra de Sócrates foi usada como artifício para que a negociação com o Tricolor fosse concluída rapidamente.
- O Vadão era muito inteligente. Como ele era bastante sério, ninguém sabia se ele falava a verdade ou se era um blefe.
Ele dizia para os dirigentes do São Paulo: 'Vocês perderam o Sócrates e vão perder o Raí também.' O Corinthians estava atrás, mas o São Paulo tinha prioridade e acabou acertando primeiro - conta Mauad, que não lembra da tal mala de dinheiro, usada para seduzir a família de Raí.
Amigo do ex-presidente Vadão, já falecido, Miguel Mauad não duvida que a tal mala trazida pelos dirigentes são-paulinos tenha sido apenas uma metáfora.
- Eu não vi essa mala. As pessoas comentam, o Vadão dizia, mas não sei se foi exatamente assim. Como o Vadão era um cara inteligente, pode-se esperar qualquer coisa. Talvez tenha sido uma expressão para ilustrar a quantidade de dinheiro que foi entregue. Talvez seja verdade. Talvez seja mais um folclore do futebol. Vai saber... - diz Mauad, aos risos.
Raí e Sócrates, irmãos, amigos e companheiros, dentro e fora de campo
Sócrates apoiou Raí no São Paulo
Campeão paulista, Brasileiro, da Libertadores e Mundial pelo São Paulo e tetracampeão em 94 com a seleção brasileira - além de títulos com o PSG -, o ex-camisa 10 lembra que o irmão não teve tempo de opinar ou influenciar na sua transferência para o São Paulo.
Na Itália, Sócrates só soube da negociação quando ela já havia sido concretizada.
- Ele ficou contente (quando soube da transferência). Apesar de ser corintiano, ele ficou feliz pelo meu crescimento profissional, e por ser um clube como o São Paulo, que me deu todas as condições para eu fazer um grande papel - comenta o ex-jogador.
Casar ou jogar bola?
A carreira futebolística do ex-jogador Raí esteve muito próxima do fim, antes mesmo de completar um ano como atleta das categorias de base do Botafogo. Descrente e precisando de dinheiro, o então adolescente de 17 anos pensou em pendurar as chuteiras.
- Quando eu fiquei sabendo que ia ser pai, decidi que ia casar, mesmo com 17 anos. Eu gostava muito da minha namorada na época, então, tinha que ter uma profissão. Eu não ganhava nada no Botafogo. Fui no presidente e falei; 'Olha, ou apostam na minha carreira ou vou parar de jogar e arrumar um emprego.'
Aí mandaram eu falar com o diretor de futebol, o Zizão (José Carlos Strambi) - diz Raí, que ganhou seu primeiro contrato profissional e pode seguir carreira no futebol ao lado da esposa Cristina, com quem foi casado durante 15 anos, inclusive nos tempos áureos de São Paulo.
Com a camisa do Botafogo, Raí é tietado na ciclofaixa de Ribeirão Preto
Jogo de despedida
Antes de ir para o São Paulo, Raí defendeu o Botafogo por seis anos, das categorias de base ao profissional. Foram 99 jogos oficiais com a camisa do Tricolor de Ribeirão. Ao ser informado sobre os números, durante a entrevista, Raí sugeriu que fosse organizado o jogo número 100, de despedida, com a camisa do Botafogo, justamente contra o São Paulo.
- Eu não sabia (número de jogos). Poderíamos fazer um São Paulo contra o Botafogo, para fazer uma despedida, no estádio Santa Cruz. Quem sabe um jogo de festa? Jogar com a camisa do Botafogo seria um grande prazer. Não vou poder jogar os 90 minutos com a mesma intensidade, mas dá para brincar. Se tiver outros jovens para correr, dá para jogar - brincou o ex-jogador.
Na hora de contar sua preferência clubística, Raí ficou em cima do muro.
- Depende da situação. Se for um jogo para o Botafogo subir, torço para o Botafogo. Se o São Paulo for campeão, torço para o São Paulo - diz Raí.