O Corinthians viveu uma das fases mais vitoriosas de sua história nos últimos anos. Conquistou a inédita Taça Libertadores da América, levou o bi mundial no Japão e consolidou uma equipe que levantou cinco taças em apenas três temporadas. Do outro lado do mundo, um responsável direto pela criação de uma das marcas esportivas mais poderosas de todos os tempos vive situação dramática. O Corinthian-Casuals, clube inglês que inspirou o nome do Timão, luta para sobreviver em um contexto de pobreza, amadorismo e esquecimento. Fruto da união de dois clubes fundados na década de 1880, a agremiação pode fechar as portas em breve, caso não haja mudanças drásticas.
A reportagem do GloboEsporte.com visitou o King George's Field, casa do "clube amador mais importante do mundo", como o próprio se define. Logo ao chegar ao local, se deparou com seis homens, que discutiam alguns assuntos. Entre eles, a sonhada modernização da área onde está instalado o clube inglês e diversas outras pendências, como a logística de transporte para os jogadores na partida seguinte. Em comum, o fato de que nenhum ganha qualquer remuneração para ajudar na administração do clube.
O Corinthian-Casuals surgiu como um clube amador, em 1939, fruto da união do Corinthian FC e do Casuals FC. O nome do xará brasileiro surgiu justamente por causa do sucesso que o primeiro fez no Brasil, em uma excursão no ano de 1910. Foram seis vitórias em seis jogos, com direito a uma goleada por 10 a 1 sobre o Fluminense e outra de 8 a 1 sobre um combinado do Rio de Janeiro. Foi o suficiente para que os cinco trabalhadores que fundaram o Corinthians Paulista adotassem o nome como símbolo de vitória e bravura.
A história é tratada com orgulho até hoje por ambas as partes. A página do Corinthian-Casuals, que costuma atrair pouco mais de 100 torcedores aos seus jogos em Londres, no Facebook conta com mais de 103 mil seguidores. A interação dos brasileiros com o coirmão inglês é diária: são diversos alvinegros que acompanham o time estrangeiro como uma espécie de segunda equipe, mesmo de longe, para manter a tradição. As postagens na rede social contam com traduções em português e constantes referências ao Timão.
A realidade, porém, não é tão brilhante. Atualmente na Ryman League, equivalente à sétima divisão inglesa, o Corinthian-Casuals teme a extinção. Em um torneio onde nem todas as equipes são amadoras, o time, onde nenhum jogador ganha salário, vive uma realidade cruel. Com dificuldades para manter contato com o xará brasileiro, o clube sonha com uma excursão ao Brasil e um jogo na Arena Corinthians para restabelecer o próprio nome e levantar fundos mínimos, em busca da manutenção de tradições centenárias. E pretende montar um crowdfounding (esquema de financiamento coletivo) até a próxima semana pra arrecadar fundos para possível viagem ao Brasil
FUNDO DO POÇO
A Ryman Isthmian League conta conta com três subdivisões: Premier, Norte e Sul. Participante da última, o Corinthian-Casuals hoje ocupa a 23ª colocação, em uma liga que conta com 24 clubes. Acumula 29 pontos ganhos em 33 partidas disputadas. São sete vitórias, oito empates e 18 derrotas. Uma campanha que já preocupa a cúpula do Casuals, uma vez que, caso seja rebaixado à próxima divisão, o clube muito provavelmente teria de decretar falência, já que o dinheiro recebido da Liga, que já é reduzido, cairia a um nível insustentável.
Nos últimos meses, problemas internos abalaram ainda mais a estrutura do Corinthian-Casuals. Técnico que foi demitido e dois meses depois voltou ao cargo, gerente de futebol exigindo jogador em campo, presidente perdido... Um contexto que contradiz a própria ideia do clube, que é a de união em torno de um ideal comum.
UM POR TODOS, TODOS POR UM
O lema do Mosqueteiro - que, aliás, é o mascote do Corinthians Paulista - se encaixa perfeitamente ao time inglês. Se o Casuals ainda existe, é porque as pessoas que ajudaram a construí-lo continuam colaborando, sem qualquer interesse financeiro. O clube conta com indivíduos voltados para funções básicas, como presidente, diretor de futebol e técnico, mas tudo é decidido à base de conversa. O trabalho desenvolvido no campo, nas salas e no bar que resume a estrutura da equipe é colaborativo. E levado muito a sério.
Ao conversar com pessoas presentes em King George's Field, é possível ver de tudo: ex-técnico que virou "conselheiro", esposa de ex-jogador que ajuda na organização, executivo que dedica parte do tempo ao clube... E um caso mais do que especial, de um personagem que acumula mais funções do que se pode imaginar.
SUPER-HOMEM
Chris Watney tem 32 anos. Hoje é cineasta, mas também cursou jornalismo no passado. No Corinthian-Casuals, ele é o camisa 9, um dos principais responsáveis pelas redes sociais e produtor de um documentário chamado "Vai Corinthians", cuja ideia é retratar a relação entre os dois clubes e divulgar no Brasil. Ele próprio se define, em um português enrolado, como "mais um louco do bando", e assegura: não medirá esforços para levar a equipe a São Paulo para um jogo festivo na Arena Corinthians.
Com a ajuda do cunhado, que é brasileiro, Chris traduz todas as postagens da página do Casuals no Facebook para o português. Ele diz receber algumas "cornetagens" constantes pelo fato de o escudo do clube inglês contar com partes verdes - cor do arquirrival do xará paulista - e pela camisa de jogo principal da equipe inglesa ser rosa e marrom. Ainda assim, assegura que o que prevalece é o apoio dos fãs do outro lado do mundo.
Atualmente com um problema no tornozelo, Chris está afastado dos gramados. Ainda assim, comparece com frequência ao King George's Field para discutir assuntos relacionados ao clube. Também acompanha todos os dias, por meio da internet, o Corinthians nos campeonatos do Brasil. Na conversa com a reportagem, ele se disse assustado ao ver as imagens da invasão ao CT Joaquim Grava, no início de fevereiro, e exaltou o trabalho de Tite - que permaneceu entre 2010 e 2013 à frente da equipe.
O jogador "faz-tudo" chegou a entrar em contato com alguns funcionários do Corinthians para pedir ajuda com a divulgação da marca do Casuals no Brasil, mas não conseguiu desenvolver a conversa. O fato de produtos relacionados ao clube inglês serem vendidos por marcas direcionadas às camisas retrô no Brasil decepcionou Chris, mesmo sabendo que a distância para a Inglaterra dificulta o transporte e aumenta o custo do produto final.
No escritório do Casuals, um livro inaugurado há pouco tempo registra a visita de todos os brasileiros que por lá passam. Obviamente, todos eles corintianos, interessados em conhecer um pouco mais da história do clube ou matar a saudade de um jogo do Corinthians, ainda que de uma forma "alternativa".
EXCURSÕES
Além de 1910, o Corinthian-Casuals também esteve no Brasil em outras duas oportunidades, para visitas ao coirmão, nos anos de 1988 e 2001. A primeira delas ficou marcada por um confronto histórico no estádio do Pacaembu. Enquanto a equipe inglesa jogou com sua formação titular, o Timão entrou em campo com um combinado de ídolos, como Rivelino, Cláudio, Teleco e Sócrates, que marcou o gol da vitória alvinegra por 1 a 0, ainda no primeiro tempo. Foram apenas dois tempos de 25 minutos.
Em 2001, a ocasião foi ainda mais especial. Além de enfrentar o time sub-21 do xará paulista no Parque São Jorge, a delegação do Corinthian-Casuals foi ao estádio do Morumbi para assistir ao segundo jogo da final do Campeonato Paulista, entre o Timão e o Botafogo de Ribeirão Preto. Após vitória fora de casa, o Alvinegro selou o título com um empate sem gols. Um momento registrado por Chris - que esteve em campo no jogo e depois assistiu à decisão - em diversas fotos e que nunca mais saiu da memória.
- Eu tinha 20 anos, e aquilo foi maravilhoso. Ver o tamanho da torcida, lotando o estádio e gritando o nome do Corinthians, me fez entender ainda mais o que significávamos. Daquele dia em diante, percebi que não poderia deixar a tradição morrer. O Corinthian-Casuals é uma parte muito importante da história do futebol. Por isso hoje sigo no clube, e vou com ele aonde precisar - afirmou.
DUELO NA ARENA CORINTHIANS?
Muito se especula sobre qual jogo marcará a inauguração da Arena em Itaquera. Chris levou à diretoria alvinegra a intenção de, mais uma vez, levar o Corinthian-Casuals a São Paulo para um novo jogo histórico. A ideia foi aprovada pelo ex-gerente de marketing Caio Campos, que deixou o clube há algumas semanas. A troca no cargo deixou o representante do clube inglês "perdido" na história. Ele chegou a receber um e-mail do presidente do Timão, Mário Gobbi, dando o aval para a partida, mas sem maiores detalhes ou incentivos.
O que dificulta muito o reencontro entre os xarás é a logística. Sem dinheiro em caixa, o Casuals não tem como bancar, por si só, viagem, estadia e outros gastos com os jogadores. Chris chegou a conversar com os atletas, levantando a hipótese de cada um pagar pela própria viagem, mas a ideia foi rejeitada. Todos têm empregos paralelos ao clube e não podem abandoná-los para uma aventura no Brasil.
Em nenhum momento o Corinthian-Casuals pediu incentivo financeiro ao Timão. Chris acredita que, se fosse de interesse dos brasileiros levar a ideia adiante, a ajuda de custo teria surgido como uma sugestão natural.
- Não pedimos dinheiro ao Corinthians em nenhum momento e acho que nem devemos fazer isso. Temos também o orgulho do nosso clube. É claro que esperamos aumentar o contato com eles e continuar com isso. Infelizmente não temos como ir ao Brasil, mas seguimos em busca de patrocinadores. Acredito que o sonho ainda esteja vivo - explicou.
Elenco foi a jogo no Morumbi em 2001 e agora sonha com partida na Arena (Foto: Acervo Pessoal)