Do terraço de um luxuoso edifício de apartamentos em Porto Alegre, dois treinadores ainda pouco badalados discutem futebol, alheios à rivalidade das ruas entre gremistas e colorados.
Entre taças de vinhos e pratos requintados, falavam de táticas, analisavam jogadores e sonhavam alto. Tão alto quanto a realidade que construíram pouco depois. Nascia uma amizade.
Neste domingo, Mano Menezes e Muricy Ramalho se reencontram no clássico entre Corinthians e São Paulo, às 16h, no Pacaembu, tentando voltar ao ápice de suas carreiras. E longe de serem rivais.
- Lá (Porto Alegre) sempre foi difícil os rivais se darem bem. Ninguém sabia disso, passávamos alguns dias lá tomando vinho. Minha convivência com o Mano sempre foi boa – afirmou Muricy.
Aquele ano de 2005 mudaria a vida dos treinadores.
Mano, até então conhecido apenas no Rio Grande do Sul, virou o comandante do Grêmio na histórica “Batalha dos Aflitos”.
Muricy, que já havia conquistado o estadual em 2003, repetiu a escrita, também ficou perto da taça do Brasileirão pelo Internacional e abriu caminho para o tricampeonato no São Paulo.
Mal sabiam que, anos depois, um assumiria a seleção brasileira após o outro não entrar em acordo com o Fluminense, clube que dirigia à epoca.
Hoje, a situação é outra. Serve como redenção.
Mano parece se sentir em casa no Corinthians, onde viveu dois de seus melhores anos como profissional.
Campeão da Série B em 2008 e da Copa do Brasil e Campeonato Paulista, foi alçado à categoria de técnico de seleção brasileira.
Em 2010, assumiu o principal cargo do futebol nacional e teve dificuldades, apesar de deixar uma base que é hoje utilizada por Luiz Felipe Scolari.
Muito questionado, Mano não conquistou títulos relevantes pela Seleção – apenas duas edições do esvaziado Superclássico das Américas, contra a Argentina.
Foi eliminado nas quartas de final da Copa América de 2011 e adiou mais uma vez o sonho do ouro olímpico com uma derrota na final de Londres, em 2012, contra o México.
Demitido em novembro do mesmo ano, mostrou-se decepcionado a ponto de, em sua volta ao Corinthians, proferir uma frase bombástica:
– Não penso em seleção brasileira e provavelmente não vou pensar nos próximos dez anos.
Não cometo o mesmo erro duas vezes, então certamente não vou sair daqui para ir para a seleção brasileira.
A passagem meteórica pelo Flamengo não ajudou a melhorar sua imagem no cenário nacional.
Três meses e 22 jogos depois de ter sido apresentado como técnico rubro-negro, ele pediu demissão e alegou que “não conseguia passar para o grupo aquilo que pensa de futebol”.
Bastante criticado, viveu um período sabático de setembro até dezembro, quando recebeu contato do Corinthians.
De volta, ele mira a reação onde se sente em casa e virou um dos técnicos mais desejados e bem pagos do Brasil.
O clássico deste domingo é mais uma chance de Mano mostrar que está colocando o Corinthians nos trilhos.
Desta vez, porém, sem pensar em deixar o Parque São Jorge tão cedo.
– Antes estava bom para termos uma relação, eu na Série B, ele na A, nem conseguíamos jogar. Meu relacionamento com ele começou com o Sidnei Lobo (auxiliar de Mano), que o Muricy já treinou.
Até hoje, apesar das farpas de vez em quando, acho que estamos indo bem - disse Mano Menezes, sorrindo, após o treino desta sexta-feira.
Muricy também luta para voltar ao topo da carreira, e nada melhor do que fazer isso no clube em que mais venceu.
Depois dos três títulos nacionais pelo Tricolor, teve de provar longe do Morumbi que poderia continuar em alta. Bateu na trave no Palmeiras e liderou outros tricolores, agora no Fluminense, com o troféu nacional em 2010.
Foi lá que esteve próximo de assumir a Seleção. Entretanto, a diretoria do clube carioca não abriu mão do contrato, e Muricy optou por não romper o vínculo.
Pouco depois do título, pediu demissão.
No Santos, Muricy conseguiu acabar com a sina de não vencer a Libertadores. A mesma que acabou com a passagem pelo São Paulo.
Com Neymar e Ganso no elenco, levou o Peixe ao terceiro troféu sul-americano, além de conquistar mais dois estaduais.
A má fase apareceu em 2013. O Alvinegro caiu de rendimento nas mãos dele e, após a derrota para o Corinthians na final do Paulistão, acabou demitido.
O retorno ao São Paulo também foi marcante. O presidente Juvenal Juvêncio não resistiu aos apelos da torcida para a volta e apostou em Muricy como o salvador do time, à época ameaçado pelo rebaixamento no Brasileiro.
A química foi imediata.
Os tricolores lotaram o Morumbi e empurraram a equipe para garantir a permanência.
Com os dois times em reformulação, Mano tenta colocar o Corinthians na zona de classificação para as quartas de final.
Muricy, já garantido no mata-mata, quer acabar com a série de 12 clássicos sem vitória do São Paulo.
Um clássico, mas de amigos.