Os torcedores que acompanham o noticiário esportivo no Brasil passaram a se deparar com mais frequência nos últimos tempos com duas expressões especialmente novas no país: SAF e liga.
Ainda que não estejam necessariamente atrelados, os dois termos ganharam relevância por discussões dentro e fora dos clubes de futebol.
Mas afinal, o que é uma SAF? O que é essa nova liga em discussão no Brasil?
SAF: a SAF, ou Sociedade Anônima do Futebol, é a constituição de uma empresa voltada para a gestão do futebol, regida pela Lei no 14.193, de 6 de agosto de 2021.
O modelo tradicional de organização no Brasil é a associação civil sem fins lucrativos, com as eleições de seus presidentes determinadas pelos próprios estatutos.
Quando a formato de empresa passa a ser adotado, isso habilita a possibilidade de haver um investidor para essa SAF, que passe a ser o proprietário (majoritário ou não) das ações. Na prática, o clube passa a ter um dono.
Além disso, a legislação aplicada à SAF ainda prevê poderá chegar a dez anos para a quitação, dependendo de regras específicas.
Liga: a negociação sobre uma liga independente é uma proposta para que os clubes possam organizar as disputas das séries A e B do Campeonato Brasileiro, com o aval da Confederação Brasileira de Futebol. Na prática é como acontece em países como Inglaterra [Premier League] e Espanha [LaLiga], que contam com organizações independentes para os seus campeonatos, mas vinculados às federações nacionais.
A possibilidade trabalhada é que essa nova liga no Brasil possa entrar em vigor já em 2025.
Mas por qual razão só em 2025? O contrato de direitos de mídia [transmissão de jogos] atual firmado entre CBF e TV Globo termina em 2024. A partir daí um novo acordo será discutido.
O contrato vínculo prevê uma quantia em torno de R$ 2,1 bilhões aos clubes pelos direitos de transmissão.
Há, neste momento, três blocos de negociações em torno da organização de uma nova liga: LiBRA (Liga do Futebol Brasileiro), Liga Forte Futebol e um novo grupo independente, nascido das saídas de Botafogo, Vasco, Cruzeiro e Coritiba.
Entre os dois primeiros, além de contarem com clubes diferentes em sua formação, há ainda visões distintas sobre a divisão de valores arrecadados nas negociações, além de investidores separados: Mubadala Capital, dos Emirados Árabes (LiBRA), e Serengeti AsManagement, dos Estados Unidos (Liga Forte Futebol).
Corinthians, Atlético-MG, Palmeiras, Santos, São Paulo, Flamengo, Grêmio, Bahia, Vitória, Ponte Preta, Red Bull Bragantino, Novorizontino, Guarani, Ituano, Mirassol e Sampaio Corrêa.
Athletico-PR, América-MG, Cuiabá, Fluminense, Fortaleza, Goiás, Internacional, ABC, Atlético-GO, Avaí, Chapecoense, Ceará, Criciúma, CRB, Juventude, Londrina, Sport, Vila Nova, Tombense, Brusque, CSA, Figueirense, Náutico e Operário.
Botafogo, Vasco, Cruzeiro e Coritiba.
Para esclarecer ainda mais a visão dos torcedores sobre SAF e a nova liga em seis perguntas fundamentais, a ESPN ouviu um especialista nos dois temas.
Consultor jurídico no meio esportivo desde 2003 com trabalhos em times como Corinthians, Santos, Atlético-MG e Athletico-PR, Cristiano Caús, sócio da CCLA Advogados, expôs à reportagem sete pontos fundamentais para entendermos os pontos fundamentais de como uma nova liga de clubes pode impactar o futebol brasileiro, além da discussão em torno das SAFs no país.
"A proposta de uma liga no Brasil é passar aos clubes o direito de organizar a sua competição, de tratar e vender seu produto, de organizar a gestão, que são as partidas de futebol dentro de uma competição. Dar mais voz, mais participação dentro das decisões para que de fato opinem e decidam o caminho do futebol brasileiro, e obviamente tratem do seu principal produto, que é o Campeonato Brasileiro das séries A e B, de maneira mais igualitária"
"Existem vários modelos de liga. Tem o modelo norte-americano, o modelo europeu. Uma liga na Europa é sempre ligada à federação nacional. A Premier League, LaLiga, todas elas são filiadas à federação nacional, que cuida de alguns aspectos como arbitragem, doping, as seleções, mas autoriza as ligas a existirem. LaLiga, por exemplo, precisa ser filiada à Real Federação Espanhola para acessar a Fifa. Isso é um modelo que de fato será aplicado aqui no Brasil"
"O modelo norte-americano é uma empresa independente e que não se conecta com outras ligas. Então não existe primeira, segunda ou terceira divisão. Essa empresa tem sócios, que são os clubes. É uma empresa que tem como finalidade de fazer um produto de marketing, uma competição. Alguns direitos de televisão e produtos podem ser negociados coletivamente ou individualmente com regiões pré-definidas. Por exemplo: com exceção de Los Angeles e Nova York, você não pode ter dois concorrentes em cada cidade. As outras cidades comportam um time para que você tenha exclusividade daquele mercado para negociar com anunciantes".
"De maneira nenhuma. Não é assim na Espanha, na Alemanha. A formação de SAF obrigatória foi uma medida de alguns países como Portugal e Espanha, por exemplo. Mas mesmo na Espanha os clubes que eram superavitários [Barcelona e Real Madrid] nem precisaram virar uma sociedade anônima".
"O que é a SAF? Ela é uma empresa. Os clubes são centenariamente uma associação. Eles nasceram assim no mundo inteiro. O mercado de alguns países, como na Inglaterra, exigiu que saíssem desse modelo para um modelo de lucro para vender ações, atrair investidores. Em outros países como Portugal foi o governo quem obrigou".
"No Brasil não vai ter uma obrigatoriedade de se transformar em empresa. Caberá aos clubes, ou por necessidade, ou por estratégia, se transformarem em SAF".
"São muitas diferenças. Uma delas é no aspecto comercial. A cada três anos existe uma certa instabilidade por ter uma eleição, e ninguém sabe se aquele projeto vai ser mantido caso haja uma troca de presidente. Em uma SAF você consegue fazer um projeto de 10 ou 15 anos, já que você é dono daquelas ações. O projeto a longo prazo é uma das principais diferenças"
"Juridicamente também são muitas. Uma, a SAF, tem objetivo de ter lucro e distribuir entre os acionistas. A outra não. Ela reinveste seu resultado, se fechar em superávit, na associação. A gente tem ótimos exemplos de associação no futebol brasileiro. De SAF estamos começando a ver agora. Tudo depende da gestão".
"É. Aos olhos do torcedor o que parece é que para virar SAF o clube tem que vender 90% das ações, como foram nos primeiros modelos com Botafogo, Cruzeiro, Vasco. Mas o clube pode ser dono de 100% da SAF. Ele pode constituir a SAF como uma estratégia de organização, e a associação pode ser dona de 100% das ações da SAF. E aí vender o capital que ele quiser. É possível que um clube seja majoritário numa SAF e venda 10% para atrair um investimento, um valor a curto prazo para saldar uma dívida e equalizar o caixa".
"A SAF impacta imediatamente no controle. O torcedor estava acostumado a lidar com um presidente, que tinha um mandato, uma estrutura política. Na SAF quem adquiriu essas ações controla a SAF. E ele vai ser dono enquanto tiver as ações. E o torcedor vai lidar com ele de uma maneira diferente, por esse controlador ser dono. O torcedor tem a sensação de pertencimento, mas no fim do dia o clube pertence a quem tem o controle acionário. Se ele estiver bem ou mal, não vai ter uma próxima eleição a curto prazo para trocar o presidente"
"Em relação à liga, o que se imagina é um impacto muito maior na questão da organização, do produto, de televisionamento. A liga tem um impacto ainda maior do que a SAF. O torcedor vai perceber imediatamente com uma competição nova sendo lançada, outra estrutura, outra ideia de mercado e com investidores por trás. A liga impacta muito mais".
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