Para Preto Zezé, presidente da CUFA (Central Única das Favelas) no Brasil, a fala de Renata Fan associando torcedores do Corinthians a maloqueiros misturou preconceito, discriminação e racismo. Além disso, ele acredita que o episódio revelou que a apresentadora está mal informada. Isso por ter feito uma associação entre corintiano, maloqueiro e falta de estudo. Na opinião de Zezé, a jornalista demonstrou ignorar a quantidade de universitários que moram em favelas.


Na última quinta (20) no programa "Jogo Aberto", da Band, Renata disse que o jornalista Chico Garcia, seu colega na atração e torcedor do Alvinegro, não combina com a torcida corintiana. Isso, segundo a apresentadora, porque ele não é maloqueiro e é um cara estudado.

Após ser criticada nas redes sociais, a jornalista e torcedora do Inter se desculpou na edição desta sexta do programa. Ela disse que nunca quis falar de "classe social, de diferenciação" e pediu desculpas, se alguém se ofendeu. A apresentadora também afirmou que não aceita que as pessoas a chamem de preconceituosa.

Confira a seguir os principais comentários feitos por Preto Zezé sobre o episódio durante entrevista à coluna.

Típico

"É o típico perfil do tipo de discriminação que ocorre no Brasil, que é aquela que ocorre naturalizada em forma de brincadeira. Sem falar também que, se você olhar as qualificações que ela [Renata] colocou, é outro perfil, inclusive. Metade dos universitários, inclusive, vêm de escola pública, vêm da favela. Como o Corinthians é caracterizado como time da favela, como é o Flamengo, recai o racismo, recai o preconceito, recai a discriminação sobre as pessoas de lá. Fica bem claro na fala dela. Na verdade, [ela estava] associando a favela, que é a característica do Corinthians, a não instrução, ao analfabetismo, a gente de segunda classe. É típico do Brasil isso aí. E depois diz que foi brincadeira. Brincadeira porque a pessoa não é o motivo da piada".

Racismo, preconceito ou discriminação? '

"Tem o racismo, o preconceito e a discriminação, certo? O racismo é a ideia de uma supremacia de um grupo étnico sobre o outro. A partir dessa ideia de um grupo, uma raça superior, se constrói um preconceito sobre os outros grupos. Então, que o índio é preguiçoso, que o negro é analfabeto, e aí você vai construindo vários preconceitos, são conceitos antecipados. Esses conceitos ajudam a manter a hierarquia na sociedade, que é a função do racismo que estrutura as nossas relações. E a discriminação é a maneira como são selecionados. Então, eu vou escolher as torcidas do São Paulo e do Palmeiras, são pessoas mais instruídas, são pessoas mais cultas, logo são pessoas brancas. A discriminação é um processo de seletividade excludente. O preconceito é o conceito antecipado. E o racismo é a ideia de uma raça superior. Ela [Renata] aplica todos ao mesmo tempo".

Ideia errada

"[A associação entre favela e falta de estudo] não corresponde. Hoje metade dos alunos das universidades brasileiras são de origem de escola pública. Hoje as favelas têm R$ 187 bilhões anuais de poder de consumo. Ela está totalmente por fora. As favelas brasileiras aglomeram... O IBGE hoje chama de aglomerado subnormal. Nesses lugares vivem quase 18 milhões de pessoas. Ou seja, seria o quinto estado no Brasil. Seria mais favelado do que gaúcho. O poder de consumo das favelas corresponde ao PIB do Paraguai e da Bolívia juntos e do Uruguai sozinho. Então, não estamos falando de um lugar só de carência e analfabetismo. Não que não tenha os problemas, mas esse não é o perfil único",

Ofensa

"Ela [Renata] já correu para se desculpar, legal isso. É legal, não se desculpar, é legal reconhecer onde está a fala discriminatória, onde está a fala preconceituosa. Inclusive, para comprometer os outros profissionais da imprensa desportiva a não reproduzirem. Até porque, no caso do futebol, os atletas vêm todos desses lugares.

[Desculpas] aos que se sentiram ofendidos não, ela ofendeu. É sempre assim, quando é pego em flagrante, esses processos no Brasil, ele se desculpam. Aí eu tenho um conceito, que eu aplico muito, que é o constrangimento pedagógico, que é fazer essas pessoas sentirem um pouco como nós nos sentimos quando isso acontece. A partir daí elas entendem. Elas vêm pedir desculpa, eu digo que não aceito desculpa porque ali não foi um erro, foi um comportamento racista ou preconceituoso. É preciso se policiar e mudar os valores para poder mudar a conduta. Porque, senão, fica só naquele punitivismo, que fica falando que ela é loira, racista. Eu quero é mudar o pensamento, não quero ficar xingando os outros. Quando tem um problema desse tipo, eu quero dizer 'errou, esse é o erro e é por aqui que acerta'".

Reprodução

"Nós somos educados assim. A lógica brasileira é construída assim. Tu tens 522 anos de país e tu tens 388 anos de escravidão. E o principal legado é a mentalidade do brasileiro olhar para esses lugares, para essas pessoas, para esse perfil de gente, para essa classe social como pessoas de segunda classe. Por isso que eu digo que no Brasil deu certo essa p... É sofisticadíssimo. Isso perpetua desemprego, violência tratamento desigual na saúde, oportunidade de emprego, qualidade de ensino. Isso tira a vida das pessoas porque o cara está com guarda-chuva, o cara acha que é uma metralhadora. O cara está com uma furadeira, o cara acha que é um revólver. A polícia te para, não dá bom dia e pergunta de quem é o carro. Na verdade, ela [Renata] só está reproduzindo as relações da sociedade. Ela pode ter dois papéis. Continuar legitimando isso, e como comunicadora isso é muito grave. Ou ela, como comunicadora, passa a emitir uma outra mensagem".