25/3/2022 11:21

Dez anos atrás, briga de torcidas mudava o futebol de São Paulo

Como um confronto resultou em um ciclo de mortes e vinganças – e impediu torcedores visitantes nos estádios

Dez anos atrás, briga de torcidas mudava o futebol de São Paulo
A avenida Inajar de Souza é uma das mais importantes de São Paulo. Ela avança pela Zona Norte da cidade a partir da ponte da Freguesia do Ó, na Marginal Tietê, até se aproximar da Serra da Cantareira. No dia 25 de março de 2012, dez anos atrás, um grupo de palmeirenses se reuniu na esquina com a rua Antônio de Couros, uma área mais ampla da avenida, onde há um posto de gasolina no cruzamento. Era o local onde se encontravam em dias de jogos, como aquele domingo, em que o Palmeiras enfrentaria o Corinthians no Pacaembu.



Por volta das 10h, ao menos dois ônibus, lotados de torcedores corintianos, se aproximaram por uma rua ao lado, onde aquela multidão alvinegra desembarcou com a intenção de surpreender os palmeirenses. A batalha, ao som de estouros de rojões e pancadas de barras de ferro, não durou mais do que poucos minutos. Duas pessoas, ambas vestidas de verde, morreram espancadas por golpes na cabeça: André Alves Lezo e Guilherme Vinícius Jovanelli Moreira. Elas não foram as primeiras, não seriam as últimas.


Nada, naquela manhã de domingo, foi coincidência. O ataque foi planejado, como aponta apuração da Polícia Civil, em vingança à morte de um corintiano meses antes. Depois, gerou uma onda de violência que alterou a configuração das arquibancadas paulistas: a determinação de torcida única em clássicos no estado.


A Inajar de Souza virou símbolo violento das disputas entre torcedores organizados em São Paulo. Músicas relembram, em termos constrangedores, as mortes de uma década atrás. A avenida ainda hoje é passarela para torcedores em demonstrações de força.



Há uma semana, quando Palmeiras e Corinthians se enfrentaram pelo Paulista, pelo menos duas faixas irônicas foram colocadas em pontes de São Paulo por corintianos para relembrar as mortes de 2012. Policiais do Batalhão de Choque se posicionaram na avenida após a partida para prevenir potenciais tumultos – nenhum foi registrado, no fim. Mas o temor de que algo possa acontecer novamente se renova a cada clássico disputado entre as duas equipes.


As investigações sobre aquela briga terminaram em 2015, quando o Ministério Público denunciou 29 pessoas. Dezesseis corintianos foram enquadrados nos crimes de duplo homicídio e associação criminosa, enquanto 13 palmeirenses foram denunciados por associação criminosa.


Dez anos depois, ninguém foi condenado. Em abril de 2019, a juíza Fernanda Salvador Veiga pronunciou 19 torcedores, que deverão ser julgados em júri popular, sem previsão de data. O julgamento está travado por recursos que ainda não foram analisados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.


A PRIMEIRA MORTE

Na madrugada do dia 25 de março de 2012, horas antes de atacar os palmeirenses, um grupo com centenas de corintianos, segundo relato de testemunhas, se reuniu em um Snooker Bar na região do Butantã, na Zona Oeste. Em certo momento, um homem subiu em uma mesa e discursou:

– Todo mundo aqui, hoje a gente vai pegar o Lezo e vingar a morte do nosso irmão, vamos pegar os porcos. Não é pra ninguém correr, vou fazer parte da linha de frente e é pra todo mundo me empurrar. Mesmo se eu apanhar, também vou estar batendo. Se ver que tamos no prejuízo, é pra empurrar e dar soco, mas não é para correr. Vamos caçar os porcos.

Ele jamais foi identificado, mas a polícia sabe de qual “irmão” ele estava falando.

Meses antes, em agosto de 2011, em outro domingo de Palmeiras x Corinthians, Douglas Karin Silva, 27 anos, membro da Gaviões da Fiel, a maior organizada alvinegra, morreu.



Na madrugada anterior à partida, disputada em Presidente Prudente, corintianos subiram em um ônibus ao descobrir que palmeirenses se reuniam na avenida Inajar de Souza, que fica relativamente próxima à quadra da torcida corintiana e à da Mancha Verde, a principal organizada palmeirense. Houve confronto, a polícia chegou e conseguiu dispersar a multidão.

Um grupo de palmeirenses, feridos, retornou à Mancha e reuniu outros torcedores para buscar corintianos que tinham se envolvido no conflito de pouco antes. Encontraram três deles, dispersos.

Dois conseguiram fugir, Douglas não. Ele teria sido espancado e, segundo as investigações, em desespero, provavelmente se atirou no rio Tietê para escapar. Seu corpo foi encontrado só no dia seguinte, boiando.

As investigações se arrastaram. Dois membros da chamada “linha de frente” – os mais propensos a participar de brigas – da Mancha foram apontados suspeitos, Lucas Alves Lezo e Neilo Feirreira e Silva, o Lagartixa.



Lagartixa foi identificado por pessoas próximas a Douglas, que teriam citado seu nome a investigadores durante o velório do corintiano. Ao Jornal da Globo, no dia em que o corpo de Douglas foi resgatado, o pai dele disse conhecer um dos agressores, apesar de não citar nomes:

– Inclusive, um desses responsáveis conhecia ele (Douglas), jogava bola com ele, morou lá na vila. Todo mundo conhece esse cara – afirmou Antônio Cardoso Silva.

Lagartixa se encaixava – e à polícia, ele confirmou que frequentava a mesma academia de artes marciais que Douglas. As testemunhas, porém, recuaram ao depor. Uma delas disse que Lagartixa se afastou de Douglas ao reconhecê-lo. Outra, que estava com a vítima quando os palmeirenses chegaram, que Lagartixa nem era um dos perseguidores.

Entre os investigadores, há a convicção de que os agressores de Douglas eram conhecidos da vítima. Citam que o corintiano foi identificado como membro da Gaviões mesmo ao ser encontrado em uma rua erma e sem estar vestido com roupas da torcida.

Os suspeitos negam participação. Em outubro de 2019, sem provas contra eles, a justiça arquivou o inquérito a pedido do Ministério Público.


CÓDIGO DE SILÊNCIO

As testemunhas ouvidas informalmente pela Polícia Civil no caso da morte de Douglas Karin Silva quase quebraram um código entre os torcedores violentos, que prezam pelo silêncio às autoridades para que desavenças sejam resolvidas à distância dos olhos de investigadores.

– Alguns torcedores da Gaviões da Fiel (organizada do Corinthians), mais precisamente dois indivíduos que estavam com o Douglas naquela noite, em um primeiro momento, informalmente, chegaram a citar quem seriam essas pessoas (agressores). Na data marcada para o depoimento formal, eles voltaram atrás – contou o investigador Paulo Francisco Cezar durante depoimento em audiência em 2016.

A informação foi corroborada por outro policial:

– No primeiro momento, (as testemunhas) foram (capazes de identificar). Depois não quiseram assinar depoimento, com medo de represálias – disse o também investigador Kleber Venâncio Catarino à Justiça.

Sem testemunhas ou imagens que ajudassem na identificação dos suspeitos, as investigações travaram. Lucas Lezo chegou a ser preso, mas por outro caso: por ter sido encontrada em seu quarto, durante uma operação de busca e apreensão, uma arma com numeração raspada.

– Isso é uma prática das torcidas, elas não colaboram nas investigações. Elas nunca dizem quem são os autores, (mas) eles sabem quem são. Mesmo porque eles pretendem cobrar essa dívida nas ruas – explicou Margarete Barreto, delegada que conduziu parte das investigações.

A tese dos policiais, de que os corintianos se guardaram calados para que se vingassem, foi reforçada meses depois, na mesma avenida Inajar de Souza onde Douglas Karin Silva enfrentou palmeirenses antes de morrer. Os agressores, em março de 2012, sabiam quem eles buscavam, como deixou claro o homem que subiu na mesa do bar horas antes. André Alves Lezo, 21 anos, e Guilherme Vinicius Jovanello Moreira, 19 anos, foram mortos em decorrência de “trauma craniencefálico devido a ação de agente contundente”, como relatado nos exames necroscópicos de ambos.

Nesse caso, porém, o silêncio foi quebrado: duas testemunhas, protegidas pela polícia, decidiram contar o que viram e ouviram entre a noite do dia 24 e o fim da manhã seguinte.


OS LEZO

Lucas, André e Tiago, irmãos, têm diferença de idade de menos de um ano. Lucas, o mais velho, é de fevereiro de 1990, enquanto André e Thiago, gêmeos, nasceram em janeiro de 1991.

Lucas começou a frequentar a Mancha Verde com cerca de 16 anos, antes dos irmãos. Aos 22, era vice-presidente da organizada.

É apontado por policiais que investigam torcedores violentos como parte da “linha de frente” da torcida, uma exigência para ascender na hierarquia. Ele atualmente cumpre pena por tentativa de homicídio duplamente qualificado pelas agressões a um torcedor do Flamengo durante uma partida contra o Palmeiras realizada em Brasília em junho de 2016. A vítima, segundo a promotoria, continuou sendo agredida mesmo após desmaiar. Ela passou um ano em coma e tem sequelas até hoje.

Lucas foi condenado pela Justiça do Distrito Federal a 20 anos de prisão, pena que caiu para 14 anos após recurso. Ele foi preso em 2017, em São Paulo. Recentemente, foi transferido de Brasília para a penitenciária II de Tremembé, no Vale do Paraíba, e há expectativa de que possa progredir para o regime semiaberto em pouco mais de ano.

Suspeito do homicídio de Douglas Karin Silva, não se tornou réu – sem provas, o Ministério Público pediu que o inquérito fosse arquivado. Lucas foi denunciado pela briga de 2012, quando seu irmão André foi morto, mas a Justiça, a princípio, rejeitou a denúncia por entender que não havia indícios de que ele tivesse participado do confronto. O Ministério Público recorreu, e a decisão foi reformada no ano passado – em depoimento em uma das audiências, Tiago afirma que contou com a ajuda do irmão mais velho ao socorrer André, ferido.



Em outubro de 2021, a Justiça também determinou que Lucas seja levado a júri popular em outro caso em que é acusado de tentativa de homicídio. Ele e mais quatro palmeirenses teriam espancado Demerson Rosa na saída de um restaurante na Freguesia do Ó em fevereiro de 2014, um outro domingo de Corinthians x Palmeiras no Pacaembu.

Um relatório da polícia, que consta no processo, cita a possibilidade de represália pela morte de André em 2012, mas a vítima negou fazer parte da Gaviões e disse que vestia uma camisa do Corinthians no dia. Além de Lucas, vão a júri popular (ainda sem data) Neilo Ferreira e Silva, o Lagartixa, Thiago Marinho Diello, que também é réu pela briga de 2012, Gilberto Soares Miranda e Felipe Mattos dos Santos.

Os policiais que investigaram as mortes de 2012 acreditam que Lucas fosse o alvo dos membros da Gaviões – o “Lezo” citado pelo homem que discursou no Snooker Bar horas antes – por sua suposta ligação com a morte de Douglas Karin Silva, algo que não foi comprovada pelas autoridades. Era conhecido que os irmãos Lezo, com outros organizados, se reuniam naquela região da avenida Inajar de Souza, próxima de onde moravam, em dias de jogos.

Tiago, depois, se formou engenheiro e esteve em Montevidéu, ano passado, na final da Libertadores, quando o Palmeiras conquistou o tricampeonato sobre o Flamengo, com uma bandeira com a foto do irmão mais velho, Lucas.

Durante as investigações, Tiago chegou a ser preso temporariamente por 30 dias. Em recurso apresentado ao Tribunal de Justiça de São Paulo no ano passado, a defesa nega que o engenheiro tenha se preparado para aquela briga na Inajar e afirma que ele foi vítima de uma emboscada. O recurso ainda não foi julgado. Ele não responde a outros processos.


O 25 DE MARÇO DE 2012

Quando o confronto entre membros da Gaviões da Fiel e da Mancha Verde finalmente terminou, pouco depois das 10h da manhã na avenida Inajar de Souza, em 25 de março de 2012, os policiais que foram ao local teriam encontrado um único corintiano ferido.

Ele recebeu cuidados, foi levado a um hospital. Na delegacia, contou sua história e, em vez de indiciado, se tornou testemunha. Ele jamais foi identificado. Das autoridades, ganhou a alcunha de Letônia, o país europeu, revelou tudo que sabia e, protegido, é peça-chave da acusação.

Dele, sabe-se pouco publicamente. É um homem, jovem. Passou a noite do dia 24 e a madrugada do dia 25 vagando por São Paulo na companhia de outros homens, todos ligados à Gaviões da Fiel, em preparação para o ataque que aconteceria na manhã seguinte.

É dele o relato de que, horas antes da briga, uma pessoa teria anunciado a caça “ao Lezo” e “aos porcos” para “vingar a morte do nosso irmão”. Foi ele, também, quem viu meias femininas sendo distribuídas em seguida para que os rostos fossem cobertos quando o momento chegasse.

As autoridades que confiam em seu depoimento negam que ele tenha recebido qualquer benefício para assumir a condição de testemunha. Letônia diz que se envolveu com aquele episódio por acaso, que não é associado à torcida e que, ao perceber onde havia se metido, tentou fugir, mas foi pego por rivais antes de escapar. Conta ter sido espancado e atropelado por uma moto.



Teria sido salvo por um palmeirense que, ao ouvir gritos de que ele deveria ser assassinado, pediu para que parassem as agressões. Fingiu-se de morto até ser resgatado por policiais.

Há outra testemunha protegida, de codinome Canadá, da qual há ainda menos informação. Ela conta, porém, nomes que teria ouvido durante a madrugada, o que permitiu à polícia identificar aqueles que são acusados de planejar o ataque.

O Ministério Público cita outras provas que permitiram individualizar algumas condutas daquele dia. Um comprovante de compra de fogos de artifício é um dos indícios que liga Carlos Alberto de Brito Junior, o Neguinho, ao episódio. A apreensão de uma Fiorino relaciona Mário Batista, o Magoo, e Reinaldo Gilberto Alves, o Ade, ao veículo recheado de barras de ferro e cabos de enxada que serviu para armar os corintianos no local do conflito.

Antonio Alan de Souza, o Donizete, Douglas Deúngaro, o Metaleiro, Rodrigo de Azevedo Lopes, o Diguinho, Wagner da Costa, o BO, e outros, todos membros da cúpula da torcida, tiveram seus nomes revelados por testemunhas como participantes da briga. Não há, no processo, a identificação dos responsáveis pelos golpes que mataram André Alves Lezo e Guilherme Vinicius Jovanelli Moreira. Todos os citados negam participação.

Segundo a investigação, a motivação dos corintianos foi a vingança pela morte de Douglas Karin Silva, meses antes, e creditada por eles aos rivais da Mancha Verde. A preparação se deu dias antes, com a compra dos fogos de artifício e o aluguel de ao menos dois ônibus utilizados para transportar os torcedores até a avenida Inajar de Souza, onde era sabido que haveria uma reunião de palmeirenses na manhã do dia do clássico.

Naquele domingo, as primeiras informações eram de que André Lezo tinha sido morto com um tiro na cabeça, o que não se confirmou depois. No local, nenhuma arma ou munição foi apreendida.

Na época, os primeiros a serem presos foram palmeirenses. Eram torcedores que se feriram na briga e precisaram de atendimento e outros que tentavam fugir e foram abordados pela polícia – foi o caso de Tiago Lezo, que estava em uma moto que colidiu com uma viatura ao tentar se afastar da Inajar de Souza.

Os corintianos supostamente envolvidos no caso só começaram a ser identificados depois, durante as investigações. Em 3 de abril, nove dias após o conflito, a Justiça determinou a prisão temporária de Neguinho, BO, Metaleiro, Magoo, Ade, Diguinho e outros.

À polícia, Metaleiro, presidente da Gaviões nos anos 1990, contou que o local do ataque não foi aleatório. Segundo ele, havia pouco policiamento na Zona Norte, o que tornava a região mais atrativa aos que buscavam brigas. Ele negou ter participado.

Naquele dia, os palmeirenses contavam com apoio policial. Mas era ínfimo, a ponto de não constranger as centenas de corintianos que desembarcaram por ali.

As investigações duraram quase dois anos, até que o Ministério Público apresentou denúncia, no dia 3 de março de 2015. Duas semanas depois, o juiz Paulo de Abreu Lorenzino transformou em réus 14 corintianos e 11 palmeirenses.

A defesa dos réus tem argumentado desde o início que a denúncia não aponta os responsáveis de fato pelas mortes, aqueles que desferiram os golpes, algo que deveria ser imprescindível em uma ação por homicídio. A resposta da acusação é que os réus atuaram, de forma dolosa, para aquelas mortes acontecerem, ainda que não tenha sido possível identificar os autores.

Há críticas entre advogados, especialmente os que representam membros da Gaviões da Fiel, sobre o trabalho da polícia e do Ministério Público nesse caso. Dizem que, impossibilitados de identificar os autores das pancadas que mataram os dois palmeirenses, os órgãos de investigação miram lideranças e personagens conhecidos das torcidas para dar uma resposta à sociedade.

Entre os defensores dos palmeirenses, o argumento é de que seus clientes foram vítimas de uma emboscada – não há relato de vítimas entre os corintianos, exceção à testemunha Letônia – e que, ao contrário do que acusa a promotoria, eles não sabiam do confronto e nem haviam se preparado para ele.

A primeira audiência de instrução do julgamento foi realizada no dia 29 de fevereiro de 2016 e mobilizou mais de uma dezena de policiais em reforço à segurança do Fórum de Santana, onde ela foi realizada. Réus corintianos e palmeirenses foram colocados em salas separadas para evitar confusão.

Lucas Lezo, irmão de André e Tiago, e que à época não era réu nesse processo, foi ao fórum. Em uma ocasião, aproximou-se dos torcedores corintianos, em um momento de tensão, no qual foi preciso intervenção policial.

Naquele dia, oito testemunhas foram ouvidas, entre elas Letônia e Canadá, que falaram sem a presença dos réus. Ao fim da audiência, a juíza Flávia Castellar Oliverio atendeu ao pedido da defesa de Neguinho e de Rodrigo Gonzales Tápia, o Digão, contra quem havia ordens de prisão – ambos estavam foragidos –, para que elas fossem revogadas e eles pudessem responder ao processo em liberdade.

A decisão acendeu um outro pavio.


CONFLITOS EM SÉRIE

Dois dias depois daquela audiência no Fórum de Santana, Diguinho, então presidente da Gaviões, e Cristiano de Morais Souza, o Cris, que ocupava o cargo de primeiro-secretário da torcida, foram espancados em frente a um supermercado na Barra Funda, Zona Oeste.

Momentos antes, eles tinham se reunido no Ministério Público com lideranças de organizadas rivais, a Mancha Verde e a Independente, do São Paulo, e com o promotor Paulo Castilho, na época o mais conhecido rosto do combate à violência de torcidas em São Paulo.

O encontro era para debater pedidos da promotoria como o respeito das torcidas ao Hino Nacional durante execução antes das partidas, o fim de emboscadas, que os torcedores entrassem mais cedo nos estádios. Em contrapartida, Castilho prometia se empenhar na liberação do uso de mastros de bandeiras, proibidos havia anos, nas arenas paulistas.

Diguinho e Cris foram surpreendidos “por quatro ou cinco homens” quando entravam no carro, estacionado na rua. Diguinho precisou ser operado para corrigir fraturas nos braços. No mesmo dia, uma variedade de áudios começou a circular por aplicativos de mensagens com informações desconexas apontando diferentes culpados para a agressão – citavam o início de uma “guerra” com palmeirenses ou um alerta de são-paulinos para marcar aquele território como deles.

Apesar disso, o advogado das vítimas, Davi Gebara, rejeitou a tese de rixa entre torcidas na delegacia no dia seguinte:

– Quero deixar bem claro que isso não partiu de nenhuma diretoria das outras torcidas. Pode ter sido uma ovelha (negra) ou uma outra situação – afirmou o advogado.



As investigações avançaram, novamente, graças a uma testemunha protegida – um pedestre que presenciou as agressões. Ele conseguiu anotar a placa do carro utilizado pelos agressores na fuga. O veículo foi ligado a Deivison Correia Carvalho, membro da Mancha Verde.

As investigações citam a audiência do caso da Inajar de Souza, realizada dois dias antes, como motivadora da agressão. Os palmeirenses teriam se irritado com o fato de a juíza ter revogado a prisão de dois corintianos e, em represália, agrediram o principal líder da organizada alvinegra.

Em depoimento, o então presidente da Mancha Verde, Anderson dos Santos Silva, o Nando, admitiu “descontentamento” entre membros da torcida por causa da decisão judicial, mas disse não saber quem eram os responsáveis pelo ataque na Barra Funda.

Testemunhas contam que Diguinho e Cris foram socorridos por outros torcedores da Gaviões, que foram ao local pouco depois. Eles teriam acelerado o resgate ao serem informados de que a Polícia Militar tinha sido acionada por pessoas que viram a cena.

Em um relatório que consta no inquérito, um investigador diz ter recebido informação, de um “colaborador” da polícia, de que Lucas Alves Lezo teria participado da emboscada a Diguinho e Cris. A investigação ainda lista fotos em que Lucas e Deivison aparecem juntos e anexa cartas escritas a mão por Lucas e endereçadas ao amigo. As mensagens foram apreendidas na casa de Deivison.

Lucas, na época das correspondências, entre junho e julho de 2012, estava detido pela posse ilegal da arma encontrada em sua casa. Nas cartas, ele relata apreensão com o tempo na cadeia, usa tom amigável e, em algumas, assina o nome ao lado da mensagem “André Lezo eterno”.

Não há, entretanto, nenhuma prova que corrobore a versão do colaborador policial e ligue Lucas Lezo ao episódio. Ele não foi denunciado pelo Ministério Público.

Com as evidências da participação de Deivison na emboscada aos membros da Gaviões da Fiel, a Polícia Civil de São Paulo realizou uma operação e prendeu o suspeito no dia 1º de abril de 2016. Era uma sexta-feira, antevéspera do clássico entre Palmeiras e Corinthians, no Pacaembu, pela 14ª rodada do Campeonato Paulista daquele ano.


AS GOTAS D'ÁGUA

A tensão das semanas anteriores explodiu em São Paulo no domingo, 3 de abril, o dia do jogo. Foram registrados ao menos três conflitos relevantes na cidade entre palmeirenses e corintianos. Uma pessoa morreu.

Na Praça do Forró, na Zona Leste, uma briga pela manhã acabou com a morte de José Sinval Batista de Carvalho, de 53 anos. Ele estava no lugar errado, na hora errada.

José Sinval, um pedestre que passava pelo local, sem qualquer relação com organizadas, foi baleado durante o conflito entre torcedores. O responsável não foi identificado – a possibilidade de que o tiro partiu de um policial que tentava apartar a briga foi investigada, mas não houve conclusão.




Na hora do almoço, dois grupos gigantes, um de corintianos, outro de palmeirenses, se encontraram na estação Brás do Metrô. Eles se atacaram com ferros e fogos de artifícios. Em 2019, 15 pessoas foram condenadas – 12 palmeirenses e três corintianos.

À tarde, jogadores dos dois times entraram juntos em campo, intercalados, em mensagem contra a violência daquele domingo. Em campo, Dudu fez o gol da vitória por 1 a 0 do Palmeiras no Pacaembu.

A mensagem dos atletas foi ignorada. Depois da partida, ocorreu novo episódio de violência. Dois palmeirenses foram agredidos no trânsito, em uma avenida próxima ao estádio, por corintianos que estavam em um caminhão carregado de bandeiras de torcidas alvinegras.

Vinte e seis pessoas foram acusadas, mas todas absolvidas, dois anos depois. Na sentença, o juiz relata que as vítimas mudaram a versão dada à polícia ao depor em juízo. Antes, reconheciam agressores, o que não se confirmou no julgamento.

A sentença também cita um acordo feito entre líderes de duas torcidas, uma ligada a cada time, para que os corintianos pagassem o conserto do carro da vítima.

Os eventos daquele domingo fizeram com que as autoridades de São Paulo tomassem uma decisão até então evitada. Na segunda-feira pela manhã, em reunião convocada pela Secretaria de Segurança Pública do estado, foi determinado que os clássicos até o final daquele ano teriam torcida única, só a dos mandantes.

Com apoio do Ministério Público, a ordem partiu do então secretário de segurança, Alexandre de Moraes, figura em ascensão política na época – depois, ele se tornaria Ministro da Justiça no governo de Michel Temer e, por fim, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

Cerca de dez dias depois, a Polícia Civil fez uma grande operação, chamada “Cartão Vermelho”, para prender torcedores envolvidos nesses conflitos. Quase 30 pessoas foram detidas, muitos reincidentes. Desde então, a proibição da presença de visitantes em clássicos foi ampliada e continua em vigor. Hoje a restrição inclui partidas entre Corinthians, Guarani, Palmeiras, Ponte Preta, Santos e São Paulo em qualquer jogo disputado em São Paulo.

Em 2018, um estudo realizado com dados da Secretária de Segurança Pública paulista apontou que a medida foi responsável por atenuar conflitos nos estádios, por um aumento de público e por diminuição do efetivo policial empregado nos clássicos.

Até maio daquele ano, porém, quando o estudo foi publicado pelo ge, três pessoas tinham sido mortas em brigas de torcidas no estado, todas distantes dos estádios.


DEZ ANOS, NENHUM CONDENADO

Uma década depois da briga que terminou com duas pessoas mortas na avenida Inajar de Souza, ninguém foi condenado. Pessoas que participam do processo, seja pela acusação ou pela defesa, apontam a complexidade do caso para justificar a lentidão.

A investigação durou quase dois anos – e novamente a falta de cooperação dos torcedores é citada como um entrave –, enquanto a primeira fase do julgamento só terminou em abril de 2019.

Nesse período, pelo menos dois delegados presidiram o inquérito, e três juízes e ao menos dois promotores acompanharam o processo. Vinte e nove pessoas foram denunciadas, 25 se tornaram réus.

Entre fevereiro de 2016 e outubro de 2017, 12 audiências foram realizadas – uma delas precisou ser refeita por causa da péssima qualidade do áudio das gravações dos depoimentos. Nelas, 55 testemunhas foram ouvidas. O processo hoje ultrapassa 8.300 páginas, que só recentemente foram digitalizadas.

Em 30 abril de 2019, a juíza Fernanda Salvador Veiga pronunciou 19 réus, que deverão agora ir a júri popular, como é regra em casos de crimes contra a vida (homicídio) e crimes conexos ao principal (associação criminosa). Entre os pronunciados estão nove palmeirenses e dez corintianos, e todos eles recorreram da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

As defesas se assemelham: corintianos alegam que não podem ser acusados de homicídio se a denúncia é incapaz de individualizar o ato em si, sem apontar os responsáveis pelos golpes fatais; palmeirenses afirmam que foram vítimas de uma emboscada e que não estavam armados para um confronto, que apenas se defenderam das agressões. Um parecer da Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo, de maio de 2021, sugere à Corte que rejeite os recursos apresentados e mantenha a sentença. Não há data para o julgamento.

Além disso, há o caso de Lucas Alves Lezo e do corintiano Mário José Carneiro Pieroni, cujas denúncias foram originalmente negadas em 2015. Eles se tornaram réus em 2021 após recurso do Ministério Público.

Nestes casos, o processo recomeça praticamente do zero: a Justiça terá que ouvir novamente testemunhas de acusação, defesa e réus, visto que o processo principal já teve sentença.


TENSÃO

Desde os confrontos de abril de 2016, pelo menos outras três pessoas morreram em brigas entre corintianos e palmeirenses, mas não há indícios de que elas tenham relação com o ciclo de violência iniciado com a morte de Douglas Karin Silva.

Em setembro de 2016, Daniel Veloso, corintiano, foi espancado em Itapevi. Cinco palmeirenses foram julgados neste ano e todos foram condenados a cerca de 25 anos de prisão.

Em julho de 2017, Leandro de Paula Zanho, palmeirense, foi morto durante uma briga com dois corintianos. Um ano depois, os acusados foram condenados a penas de cinco anos.



O caso mais recente aconteceu em janeiro do ano passado, no dia da final da Libertadores vencida pelo Palmeiras contra o Santos, no Maracanã. Um grupo de palmeirenses, em um ônibus, atacou corintianos que faziam um churrasco no Sacomã, Zona Sul de São Paulo. Wallace Tomaz, conhecido como Pirata, foi morto com um tiro. Um palmeirense, Sidney Teixeira Nicolau, foi identificado como autor dos disparos e denunciado. Ele chegou a ser preso preventivamente, mas responde em liberdade.



Vídeos do enterro de Pirata, em fevereiro de 2021, mostram uma grande concentração de pessoas vestidas com camisas da Gaviões da Fiel que gritam “vamos matar porco”. Desde então, há alerta em autoridades sobre a possibilidade de retaliação – mensagens em redes sociais sobre o assunto são comuns em dias próximos a clássicos entre Corinthians e Palmeiras. Uma pessoa ligada à Gaviões, ouvida pela reportagem, disse não acreditar em uma ação de vingança. Segundo essa fonte, o crime não foi premeditado, Nicolau teria feito disparos aleatórios que acertaram Pirata e, mais importante, teria sido identificado com a ajuda de membros da própria Mancha Verde.

De qualquer forma, a batalha travada na Inajar de Souza, dez anos atrás, ainda não foi esquecida. Corintianos entoam uma canção mórbida sobre o episódio em que cantam, sob a melodia de Whisky a Go-Go, que “meu coração pulou de alegria quando mandei o Lezo pro caixão”.

Há uma semana, de forma simbólica, após a vitória do Palmeiras sobre o Corinthians no Allianz Parque, pelo Paulista, centenas de palmeirenses caminharam pela avenida Inajar de Souza, escoltados por policiais, no que teria sido uma demonstração de força naquele território.

Naquele dia, mais cedo, faixas foram estendidas por corintianos em ao menos duas pontes da cidade com mensagens irônicas sobre as mortes de André Lezo e Guilherme Moreira. Elas foram retiradas, pouco depois.

– O presidente da Gaviões ligou pra mim e para o presidente da Mancha, disse que a Gaviões não compactuava com aquilo, que era ato isolado, e eles retiraram as faixas – contou o delegado Cesar Saad, atual titular da Drade, a Delegacia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva.

– Toda vez que tem clássico esse confronto da Inajar vem à tona. Existem provocações dos dois lados, principalmente de corintianos que colocam faixas na cidade, em redes sociais. Existe tensão, o disque-denúncia geralmente nos repassa informações sobre possíveis conflitos. As polícias militar e civil fazem trabalho preventivo de monitoramente de redes sociais e reuniões com lideranças – completou.

Palmeiras e Corinthians podem voltar a se enfrentar na próxima semana, caso avancem à final do Campeonato Paulista, além dos dois clássicos já garantidos no Campeonato Brasileiro.

#corinthians #timao #alvinegro #palmeiras #briga #torcidas


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