Júnior Urso sonhava jogar no Corinthians desde criança. Foram várias peneiras e testes infrutíferos. Até que, aos 30 anos, em 2019, o sonho se concretizou.
Contrato de três anos, gol no segundo jogo, campeão paulista (ficou fora da final por lesão na coxa) e aceitação da torcida logo na chegada. Tudo indo bem. Mas, antes mesmo de concluir um terço do acordo, Urso se desligou do clube e partiu para o Orlando City, dos EUA.
O que mudou em tão pouco tempo? Na verdade, nada. A não ser o fato de uma proposta sedutora - e não em termos financeiros - ter batido à sua porta.
"O jogador não pode agir sem pensar na sua familia e no seu futuro", disse ele, em entrevista diretamente do estado norte-americano da Flórida, ao ESPN.com.br.
"Foi mais uma questão de oportunidade e de viver aqui, mesmo", afirma.
O amor pelo Alvinegro, no entanto, segue intacto. Antes da parada devido à pandemia de COVID-19, Urso vinha acompanhando e gostando do time de Tiago Nunes, que "tem um estilo de jogo de bola no pé" - do jeito que Urso diz gostar, e bem diferente do time de Fabio Carille, no qual ele atuou.
Nessa entrevista, Urso fala com carinho da passagem pelo clube do Parque São Jorge, que considera ter sido o ápice de sua carreira. Comenta um pouco da experiência de morar nos EUA e do que pretende para o futuro próximo. E fala com enorme admiração, sem qualquer vergonha, de seu ídolo maior no futebol.
Claro, trata-se de um herói corintiano: Ronaldo Fenômeno.
Veja abaixo a entrevista:
ESPN - Como está sendo a rotina com a pandemia? Tenho visto treinos seus na frente de casa, pelas redes sociais. Há um protocolo passado pelo Orlando City?
Urso - A minha rotina continua sendo intensa. Eu acordo cedo e faço meu treinamento, tudo indicado pelo clube, que passa uma programação para a gente de segunda a sábado, sendo terça e quinta em dois períodos. Pedem para a gente escolher, mas a preferência é pela manhã. Acabou que ficou meio parecida com a rotina do clube, mas tenho que fazer os treinos em lugares alternativos, em frente de casa, e tem um terreno aqui ao lado que tem uma grama que dá para fazer um trabalho com bola e chuteira. Mas sempre sozinho ou com no máximo uma pessoa mais, para evitar alglomeração.
ESPN - Você chegou ao Corinthians falando de realizar um sonho e contrato de três anos, mas acabou saindo bem antes disso. O que precipitou a saída?
Urso - Sim, eu cheguei ao Corinthians falando em realizar sonhos e um contrato de três anos e foi o que aconteceu. Para mim, foi mais do que especial, talvez o momento mais especial da minha carreira. Acho que consegui chegar onde sonhei desde pequeno. Tentei várias vezes fazer parte do clube e fui conseguir adulto. Mas chegou um momento em que pensei que era adequado pensar na minha família e vir para o Orlando e a MLS. Sinto saudade de certas sensações e realizações do Corinthians, mas o jogador não pode agir sem pensar na sua familia e seu futuro. Por isso, foi importante ter vindo para cá agora.
ESPN - Depois de dois anos no futebol chinês, como reencontrou o futebol brasileiro em termos de esquemas táticos e estrutura? Muito diferente da China?
Urso - Então, depois desses dois anos que fiquei na China, eu sabia que ia haver uma diferença de nível ou estado físico voltando para o Brasil. Mas como sempre pensei na possibilidade de retornar, elevei ao máximo minha preparação por lá, e já estava mais bem preparado. Quando vim para o Corinthians, procurei elevar ao maximo a intensidade, porque é muita diferença da China para o Brasil, principalmente a qualidade dos jogadores. Não que não tenha bons jogadores na China, mas acho dificil que qualuer lugar tenha tantos bons jogadores como temos no Brasil.
ESPN - Como corintiano, acompanhou o time após a chegada do Tiago Nunes? O que tem pensado?
Urso - Sim, vinha acompanhado o Corinthians no Campeonato Paulista. Na Florida Cup também, aqui em Orlando, fui aos jogos. Gostei dos novos jogadores e do que vi em campo. A filosofia do Tiago Nunes é interessante. E ele é dessa nova escola. Estamos nos acostumando a ver um jogo mais com a bola no pé. Eu gosto disso para ser sincero. Sei que para ele ainda estão faltando números, falando em termos de resultados, de vitórias, mas com um pouquinho de paciência, vai ficar tudo bem. Continuo na torcida para os meus ex-companheiros, que são meus amigos. E que tudo corra bem para o Timão conseguir mais um título.
ESPN - Antes da pandemia, o que você estava achando da vida nos EUA? Já conhecia o país? O que vinha fazendo?
Urso - Cara, eu tava com uma vida bem ativa aqui nos EUA, fazendo muita coisa, obviamente nos momentos de folga. Eu achei que os treinos aqui são até acima do que se treina no Brasil em termos de tempo, é muita pegada, muito exigido em termos de físico, mas no meu momento de folga, aproveitei para pasear, ir para os parques. Mas agora, e isso é uma coisa que não afeta só a mim, o momento é de resguardar mesmo, para no futuro poder aproveitar esse país que me encantou.
ESPN - O Orlando City é um clube, até por estar na Flórida, com uma ligação com o Brasil - teve o Kaká e tem outros atletas, Marta joga na cidade. Isso pesou na decisão?
Urso - Na verdade sim. O fato de o Orlando ser da Flórida e ser um clube que sempre se deu bem com brasileiros e latinos pesou bastante na minha decisão. Havia outro clube norte-americano que queria que eu fosse, mas acho que o Orlando foi minha melhor escolha, assim como eles me escolheram também e foram bem incisivos na decisão deles de me agregar ao clube. Fiquei feliz com a proposta que fizeram em tudo, oportunidade de vida, vivência, não foi pensando no financeiro, a minha vida continua similar á que tinha no Brasil. Foi mais uma questão de oportunidade e de viver aqui, mesmo.
ESPN - A MLS é uma liga ainda longe das tradições europeias, e vc um jogador ainda jovem. Por que essa opção por uma liga ainda não vista como mundialmente "top"?
Urso - Na verdade, eu tinha outras oportunidades, mas escolhi a MLS porque era uma oportunidade também de a minha família conhecer e aprimorar uma nova língua, quem sabe trabalhar por aqui, uma oportunidade de ensino para minha filha. Estou feliz com a minha escolha. Eu estava feliz no Brasil, sinto falta, obviamente. O futebol no Brasil é espetacular, sinto falta disso. Mas, ao mesmo tempo, estou feliz com a minha escolha, sei que é cedo para falar, mas o término da minha carreira se aproxima, e tenho que pensar no que fazer para cuidar da minha família.
ESPN - Voltar ao Brasil, agora, só para passear?
Urso - Sim, eu não penso em voltar para o Brasil agora. É tudo muito recente, eu só fiz dois jogos. Eu vou esperar um pouco e vou ver no que vai dar daqui para frente a situação de volta da vida ao normal. Mas a minha intenção é fazer o campeonato no Orlando. Brasil, só para passear, por enquanto.
ESPN - O que significou para você vestir a camisa do Corinthians como jogador?
Urso - Vestir a camisa do Corinthians foi um sonho, esperei minha vida inteira por esse momento, fiz teste quando novo, sonhei com uma possível proposta do Corinthians por mim por muitos anos. O Corinthians foi o ápice da minha carreira: fui campeão e fiz gols pelo time do meu coração, valeram a pena todos os esforços.
ESPN - Você teve um ídolo no futebol, alguém em quem se espelhou? Se sim, chegou a conhecê-lo?
Urso - Cara, eu tive e tenho um ídolo no futebol, sim, um jogador com que mais me identifiquei e gostei. E não tem nada ver com a similaridade no futebol. Eu me identifiquei muito no Ronaldo, no esforço que ele fez para vencer. Ele sempre teve muitas dificuldades e venceu todas sem desistir. A simplicidade dele, ver como ele é com a familia o torna ainda mais meu ídolo. E, falando de conhecer, conheci ano passado no Corinthians, a gente fez a apresentação de uma camisa do Corinthians juntos. Ainda me lembro da sensação que eu tive, parecia que a alma tinha saído do corpo. Com certeza, Ronaldo é o numero 1 para mim.
ESPN - Você já pensa no passo seguinte quando encerrar a carreira? Ainda tem sonhos na profissão?
Urso - Eu ainda não sei o que fazer quando acabar a carreira, e um dos motivos de ter vindo para a MLS foi esse, aprimorar o inglês e aumentar conhecimento para ter uma direção a ser tomada do que fazer quando encerrar. Mas não queria ficar especificamente no futebol, porque você fica muito longe da família, viaja muito, e isso é algo que faço desde pequeno. Eu queria abrir um negócio próprio que me traga lucro e estabilidade. Sempre pensei em algo no ramo da gastronomia, culinária, um restaurante. Vou ver o que Deus prepara e vou seguir jogando e vivendo meu sonho.
Corinthians, timão, Jr. Urso