Cuca, Fabinho e Loss: os mosqueteiros de Carille no Corinthians
Com o melhor primeiro turno da história do Brasileirão por pontos corridos, a segunda maior invencibilidade da história do clube e o título paulista, o Corinthians de 2017 não poderia ser obra de apenas uma cabeça. Auxiliar por oito anos, Fábio Carille é o mentor da equipe e o capitão da comissão técnica, mas tem a seu lado três importantes e discretos personagens que ajudam a manter o trem nos trilhos e a acelerar e desacelerar nos momentos certos.
Por 45 minutos, o UOL Esporte se sentou com Leandro da Silva, mais conhecido como Cuca, Fabinho e Osmar Loss. O trio foi o escolhido por Carille para compor a nova equipe de 2017: o primeiro jogou com Fábio no Juventus, é o assistente número 1 e parece o gestor de pessoas da comissão; o segundo foi campeão pelo clube, estudou bastante, foi promovido recentemente da base e parece o aprendiz da turma; Loss, o terceiro, chegou a quatro finais seguidas da Copa São Paulo como treinador do sub-20, ganhou duas e se comporta como o mais expansivo e estudioso. Personalidades e estilos que têm se completado.
Nesta entrevista exclusiva, todos dissecam Carille, explicam a rotina de trabalho de suporte ao elenco e contam curiosidades do dia a dia.
Confira o melhor da entrevista com Leandro "Cuca", Fabinho e Osmar Loss:
O DNA CORINTIANO SEGUNDO O OLHAR DE CADA UM
Leandro Silva, o Cuca, Fabinho e Osmar Loss
LOSS: Acredito que o Corinthians tem uma forma de jogar, que reconhecidamente se tornou vencedora nos últimos anos. Não é só a forma de jogar. É também a estrutura que se modificou nos últimos dez anos, de ter um CT, de ter essa privacidade para trabalhar. Isso causa uma grande influência naquilo que a gente vive. Eu, por ser oriundo da base, sei o quanto é difícil trabalhar no Parque São Jorge, com questão social envolvida, conselheiros e uma série de fatores que interferem no dia a dia de trabalho.
Além dessa privacidade de trabalho e qualidade de trabalho que aumentou, o Corinthians, por meio dos últimos treinadores vencedores, encontrou uma forma de atuação que está muito próxima da modernidade do futebol. É uma equipe que sabe se defender, sabe da importância da parte defensiva, sabe valorizar a bola no momento que a tem, com o intuito de terminar os lances. Encontramos isso e o Fábio é a continuidade desse caminho.
FABINHO: Existe essa questão do DNA. O atleta hoje entendeu que esse DNA torna o time vencedor. Então fica mais fácil de convencer o atleta demonstrando que esse trabalho produz frutos. Acredito muito nisso, nessa sequência de um trabalho que deu certo.
CUCA: Acho que é muito importante ter um exemplo vencedor a ser seguido. O Corinthians encontrou esse caminho. Tudo se torna mais fácil e o Fábio, por ter trabalhado com grandes treinadores, é muito claro e muito simples com o que ele quer para a equipe dele. Essa questão do DNA vencedor é primordial para o Corinthians ter encontrado seu caminho. Está conquistando grandes resultados.
QUAL O PRÓXIMO ESTÁGIO NA EVOLUÇÃO DO CORINTHIANS
CUCA: Quando se fala em evolução de time, muitas vezes não se fala em tudo o que acontece para ela acontecer. O principal é o tempo que se dá para que isso aconteça. Muitas vezes o treinador não tem esse tempo pela questão dos resultados. A princípio nós focamos muito na questão decisiva, na melhora defensiva. A gente sabia que a evolução da forma de jogar ofensiva iria acontecer naturalmente, mas precisaria de um tempo. Muito se fala que no Brasil não existe projeto a médio e longo prazo. Mas a própria torcida e a imprensa cobram resultados imediatos.
O processo evoluiu muito na questão da forma de jogar em termos ofensivos.A tendência é que ele evolua mais. O atleta acaba se conhecendo melhor, como o companheiro gosta de receber uma bola, onde ele gosta de fazer o passe. Coisa que só o tempo mesmo vai te fazer evoluir. Tudo isso faz parte do processo de treino, daquilo que precisa se treinar para alcançar. É claro que confiança aumenta a partir do momento que se tem esse tempo para pode executar esse modelo de jogo.
OS PORQUÊS DO FIM DO 4-1-4-1
LOSS: Quando a gente fala de estrutura, o que mais importa na nossa visão é a ocupação de espaço quando tem a dinâmica de jogo. A gente percebeu que por características, do Fábio em conversas conosco, dentro do que a gente vinha apresentando no começo da temporada, era necessário em preenchimento um pouco mais seguro na frente da linha da defesa. Precisávamos expor menos os zagueiros e laterais. Essa estrutura posicional tática [do 4-2-3-1] naturalmente já faz isso melhor que o 4-1-4-1.
Por essa dinâmica de jogadores de meio-campo, como do Maycon, que consegue vir atrás e chegar na frente, a gente não deixou de ter isso, a gente não queria em momento algum perder essa chegada [no ataque]. Então houve uma acomodação das peças que a gente acha que estruturou melhor. Desencadeou num jogo mais seguro e fluente ofensivo. Esse foi o principal ponto que o Fábio, observando junto com as nossas conversas, tomou a decisão de uma alteração da estrutura dimensional, não na estrutura de jogo.
NR.: Nos dois anos anteriores, o Corinthians se notabilizou taticamente pelo uso do 4-1-4-1. Desde fevereiro, Carille e os auxiliares reorganizaram o time com dois volantes mais fixos [Gabriel e Maycon] e deixaram Rodriguinho mais próximo de Jô.
TODOS OS ADVERSÁRIOS DISSECAM O CORINTHIANS
CUCA: A gente também estuda muito o adversário. Eles estudam e acabam, numa situação dessa [de jogos invicto], estudando mais ainda. Pelo fato de [um possível bom resultado contra o Corinthians] trazer para eles uma confiança para a sequência da competição. A gente não muda nada em relação a isso, no que o adversário pode fazer de diferente. Claro que a gente procura prever o que vai acontecer no jogo em relação ao adversário, mas a gente sabe que a motivação que vem de todo adversário hoje é maior do que o natural. Se fosse ao contrário, se precisássemos bater um adversário invicto há tanto tempo, nós também enfrentaríamos com muita motivação.
A CONTRA-ESTRATÉGIA DO CORINTHIANS PARA ENFRENTAR ISSO
CUCA: A gente já vinha conversando bastante há um 30 dias. Em optar agora por sentar e olhar assim: 'nós vamos enfrentar o Corinthians, o que vamos fazer para ganhar do Corinthians?' Para justamente tentar prever o que os adversários vão fazer no futuro. Numa análise de adversário, quanto mais repertório tiver, mais segurança tem, é onde tem de apontar sua arma. Estamos pensando nisso e vamos fazer com mais frequência ainda para que a gente esteja preparado para aquilo que estamos apresentando A gente tem de olhar com os olhos como se a gente fosse os adversários agora. Esse talvez seja o grande ponto que estamos preparando para tentar seguir respirando com segurança.
O ENTROSAMENTO DO TRIO: TODOS FAZEM TUDO
FABINHO: Apesar do pouco tempo de trabalho juntos, temos um entrosamento perfeito. O [auxiliar] responsável pelo jogo tem a atenção voltada ao próximo adversário e os outros dois preparam o treino dentro do objetivo que o Fábio quer alcançar. A quantidade de questionamentos que fazemos [entre si] é muito grande. Fazemos sempre uma reunião com o Fábio sobre quantos jogadores teremos para o trabalho, de quem será poupado, o que ele quer atingir mediante o adversário.
NR.: Há um rodízio entre os auxiliares. Loss dissecou o Flamengo, Cuca estudou o Atlético-MG e Fabinho analisa o Sport, rival do sábado. Durante cada partida, sempre um deles fica no banco de reservas e os outros dois assistem ao jogo das tribunas. Todos se reúnem no intervalo.
ANALISTAS: OS AUXILIARES DOS AUXILIARES
CUCA: Eles facilitam muito nosso trabalho, que é conjunto. Isso tem dado muito certo, porque eles têm uma capacidade muito grande no que fazem.
FABINHO: Nós auxiliares Trabalhamos de jeitos diferentes. Cada um tem o seu ponto de vista diferente. O meu é diferente do Osmar e do Cuca, cada um tem seu jeito de trabalhar o material, mas o pessoal ali merece ser lembrado porque trabalham muito.
LOSS: Existe uma rotina já estabelecida da época do Tite [material individual para cada atleta]. Em toda a preparação de jogo, eles recebem referenciais de quem vão duelar mais tempo no jogo. Recebem vídeo de 1min30s, 2min. O material estratégico é apresentado um ou dois dias antes do jogo.
NR.: Desde 2015, o Centro de Inteligência em Futebol do Corinthians, o CIFUT, passou por uma série de mudanças. Dois analistas foram ao São Paulo [Luís Felipe Batista e Raony Thadeu], outro analista [Renato Rodrigues] foi para a Espn Brasil e o chefe do departamento [Fernando Lázaro] foi à CBF.
DECISÕES RÁPIDAS NO BANCO DE RESERVAS
LOSS: A gente espera uma coisa [do jogo], se prepara pensando na prioridade do adversário, de como pode vir. Mas o futebol é surpreendente, uma expulsão muitas vezes pode mudar tudo...é o feeling do Carille, é um bate-papo rápido. A decisão não pode demorar muito tempo, tem de ser rápida. O exemplo prático é o São Paulo: eles começaram [clássico] com três [linha defensiva] e perceberam que não ia dar para nos enfrentar assim. Com 15 minutos, já mudaram para a linha de quatro.
Sempre que o Carille percebe algo diferente ele já aponta para o banco, senta com quem está no banco naquele jogo. Os outros dois estão na parte de cima anotando as ponderações. Sempre há uma conversa no banco com os dois de cima para dar uma opinião um pouco mais privilegiada, mas sem o timing da emoção e da mudança rápida de quem está no banco. O Carille é o cara que decide nessa hora. Alguns mudanças dos rivais pegam a gente desprevenido, mas a gente não muda muito nossa estrutura. A gente adapta pequenos detalhes para tentar minimizar o que está acontecendo.
GRADUAÇÃO ALTA DA COMISSÃO TÉCNICA
LOSS: É um pouco de utopia que ex-jogador não precisa estudar. Eles [Cuca e Fabinho] viveram dentro do campo e sabem que são profissionais melhores hoje porque estudaram. Poderiam assim mesmo ser bons profissionais? Sim. Futebol não tem matemática certa para vencer, pode ser de várias maneiras. Importante é você ter conhecimento para aplicar os objetivos e os conceitos no campo.
NR.: Os três auxiliares, além de Carille, têm licenças da CBF para trabalhar. Loss, Fábio e Fabinho já possuem a Licença A.
DEMOCRACIA A CINCO
Cuca grita à frente de Carille: amizade há mais de 20 anos
LOSS: O grande ponto da comissão é que o capitão, que é o Fábio, tem suas ideias, mas tem confiança de escutar as opiniões dos outros porque podem ser divergentes. Não temos que concordar com tudo: se fosse para concordar com tudo, não precisava de cinco pessoas, uma só resolvia. Isso é o importante do futebol, e o Fábio tem confiança no que deseja para a equipe e do que quer para os conceitos de jogo. Ele nos ouve e facilita o processo. Certamente ele toma as decisões mais seguro depois de nos ouvir.
NR.: Além do treinador e dos auxiliares, o preparador físico Walmir Cruz participa da tomada de decisões.
ARANA E MAYCON NÃO PERDERAM EM 2017
LOSS: Não atribuiria a eles o fato de estarmos invictos. É uma questão da equipe. Por circunstâncias não se perdeu com eles dois no campo juntos. Os dois já eram jogadores de sucesso na base do Corinthians. O Maycon mais tardio, por uma lesão na parte final de juvenil, mas era apontado por todos, por quem conhecia mais cedo, da qualidade e do entendimento do jogo. Os dois não jogam somente, eles entendem de futebol. Podemos separar os jogadores entre os que jogam bola e os que jogam futebol. Além do talento técnico, eles jogam futebol.
A REPRESENTAÇÃO DOS DOIS JOVENS PARA O CLUBE
LOSS: Para todos corintianos, ter dois jogadores oriundos da base com tanta capacidade, e para o clube e para nós, é fundamental. Alimenta a chama do que pode vir de lá de baixo. Quando se olha e vê uma barreira quebrada, porque se dizia que no Corinthians não jogava jogador da base, a gente consegue alimentar lá embaixo. Isso coloca energia, seremos um novo elemento para atrair talentos ao clube. Só ajuda no processo.
VINGAM OS JOVENS HÁ MAIS TEMPO NO CORINTHIANS
LOSS: Uma batalha de quando se trabalha na base é a permanência de um atleta por um longo tempo. Por um farto produto hoje de jogadores, se troca de uma hora para outra, após cinco jogos ruins, e se escolhe quem chegou ao clube com 17 anos. O trabalho tem que ser sólido desde baixo e esses jogadores alimentam que no Corinthians o trabalho de base é bom desde os 12 ou 13 anos. Muitas vezes só se doura a pílula de quem trabalha no sub-20 porque é o último estágio. Muitas vezes eu digo que tem o sub-17 por trás, um sub-15, e quando você olha para o repertório técnico, por ser da educação física e estudar, sei que é lá nos 13, 14 e 15 anos que se trabalha o desenvolvimento motor de fato. Se não for bem trabalhado lá, não vai chegar em cima.
NR.: Arana, Maycon, Léo Santos, Pedrinho e Léo Jabá (negociado recentemente) estão na base do Corinthians desde as primeiras categorias. Entre os jovens que vingam, essa tem sido uma coincidência, diferente daqueles que chegam para o sub-17 ou sub-20.
AS MAIORES VIRTUDES DE CARILLE PARA OS AUXILIARES
FABINHO: Humildade. É nosso capitão, mas é um líder. A humildade caminha na frente dele. Passamos por inúmeras situações em que me peguei pensando, 'cara com tanta coisa para resolver e ele com o pensamento voltado ao jardineiro, ao porteiro'. A gente se apega a esses detalhes por ter convivido com outros profissionais. A humildade é o carro-chefe dele e a confiança que tem em saber o que tem na mão.
LOSS: É um cara extremamente agregador, que aproxima o senso coletivo e tem muita segurança no que ele quer. Sabe para onde está apontando para a equipe chegar.
CUCA: É muito detalhista. Consegue em alguns momentos enxergar algo que para nós três passa batido e é importante. Fábio sempre foi assim, eu o conheço desde 1996 e ele sempre se portou dessa forma, tratando todos de maneira educada, com respeito.
TREINADOR COM PRAZER DE SER AUXILIAR
LOSS: Meu objetivo era chegar no departamento profissional. Eu trabalhei 20 anos na base pensando nisso. Enquanto me sentir bem como auxiliar como me sinto hoje, não vejo muita diferença de ter que tomar decisão e botar a cara na vitrine, ou ficar atrás dando suporte. Enquanto tiver prazer no meu trabalho, independente de ser o Fábio ou outro treinador na minha frente, mas com participação, não sei se preciso ser o treinador. É difícil definir o tempo [a se manter auxiliar], é pelo prazer de ver seu trabalho também funcionar. Jamais gostaria de chegar a uma comissão e ser um cara que não sabe nada do que está acontecendo, que as opiniões pouco valem.
QUEM É FABINHO? CUCA RESPONDE
Foi o último integrante a chegar, mas de pronto se envolveu no trabalho. O que vejo de muito favorável e positivo é que não teve vergonha de pedir auxílio em algumas situações. Ele chegou no processo se encaminhando e entendeu muito rápido o que o Fábio queria. Ele teve essa questão da humildade de pedir ajuda e principalmente mostrar interesse grande de se inserir nos processos, se mostrar pronto 24 horas por dia e ajudar como tem ajudado.
Ele conhecer o Corinthians também facilita para nós. Sou ex-atleta, mas um ex-atleta que jogou aqui dentro, que conhece o que se passa dentro, o clube em si, o que é...[é muito mais importante]. Hoje, conhecendo o outro lado, ele nos ajuda com alguns toques a gente não percebe, por ele conhecer o ambiente.
QUEM É LOSS? FABINHO RESPONDE
Chamo ele carinhosamente de matemático. Pela inteligência, pela criatividade para desenvolver trabalhos. A personalidade é muito forte, "é aquilo que acredito e não vou mudar por ninguém". Tivemos contato em 2015 e ele estava construindo uma história, mas foi um estágio, foi superficial. Aqui convivendo, tendo oportunidade de aprender...ele nunca me dá o trabalho pronto, sempre tem um questionamento, "pô, porque não faz dessa forma?". No começo eu tinha dificuldade de apresentar no vídeo [ao elenco], e ele disse "o analista vai fazer do jeito que você quer, dá sequência".
São dois espelhos [Cuca e Loss], é sempre focado. Digo que quero ser desse jeito. Quero ter essa visão ampliada para solucionar problemas e ter respostas rápidas. É um cara primordial, que vê as coisas, que é chato, que pega o vídeo e mostra o que estão fazendo errado e a garotada [jogadores] entende, passa a procurar. Isso é importante.
QUEM É CUCA? LOSS RESPONDE
O Leandro eu não conhecia pessoalmente, mas com dez dias aqui dentro parece que eu conhecia a vida inteira. A mesma relação que ele tem com o Fábio, eu sinto que tenho com ele. Fundamentalmente, o que o Leandro me passa é verdade. Um cara humilde, extremamente trabalhador, obstinado pelo perfeccionismo e que gosta das coisas como têm que ser. É metódico, é cuidadoso, não tem uma visão exclusiva do trabalho. Ele pensa o trabalho, mas olha o lado pessoal, o ambiente, de cuidar para as coisas estarem sempre em um caminho suave para não ter atrito com quem está do lado.
É muito satisfatório para mim, porque não consigo enrolar demais as coisas, sou franco e direto, e Leandro também não acomoda as coisas. Além de excelente profissional, de ter coração bom, de ser um ser humano no teor da palavra, ele abriu as portas para mim por conhecer há mais tempo o Fábio e ter afinidade. Separar o Leandro profissional do ser humano não tem como, são juntos. Ele é a mesma pessoa fora e no clube. São coisas que a gente não fala um para o outro, então é importante a pergunta.
parabéns pessoal esse é o caminho. VAI CORINTHIANS