Seis meses bastaram para as incertezas darem lugar à história bem-sucedida, cujo protagonista atende pelo nome de Jô. Para chegar ao patamar atual no Corinthians, porém, foi preciso vencer outros duelos, travados bem distantes dos gramados. E assim como ocorreu nesta temporada, o atacante conseguiu superar as adversidades.
Em entrevista concedida ao UOL Esporte, Jô não hesitou em abordar as principais fases da carreira e da vida. Aos 30 anos, quase metade deles vividos como um jogador profissional de futebol, o atacante relembrou, por exemplo, os primeiros passos no Corinthians e deu detalhes da convivência entre os jogadores do time alvinegro de 2005, com Tevez, Roger, Mascherano, Gustavo Nery e Carlos Alberto.
Jô ainda comentou o fracasso brasileiro na Copa 2014, a experiência no futebol europeu, a retomada da carreira e a esperança de voltar a defender a seleção - além desses temas, o atleta citou passagens da infância e juventude, já marcadas pelo amor ao Corinthians.
CONFIRA NA ÍNTEGRA A ENTREVISTA COM JÔ:
Para Jô, a volta à seleção está perto
Vejo bem próximo pelas minhas atuações e do Corinthians. O Corinthians tem força muito grande nesse aspecto, visado quando está bem, por clubes europeus e seleção. Vejo como algo bem próximo. Tive um sonho em 2013, fiquei triste porque na primeira convocação não fui para a Copa das Confederações, mas via um sonho bem perto. Coloquei como meta e fui à Copa do Mundo. Vejo outro filme com mais maturidade, paciência. Talvez não seja agora, talvez seja bem próximo da Copa, mas se mantiver o nível, vai aparecer oportunidade. Vai depender de mim, mas vejo minha volta para a seleção bem próxima mesmo.
Time sem concentração e ausência de Neymar no 7 a 1
Não vejo erro. O que vejo foi a concentração para o jogo com a Alemanha. A gente sempre enfrentava Chile e Colômbia. Com vontade e concentração enormes, passamos. Depois veio um time europeu, a Alemanha. Antes do jogo se falava que seria uma seleção europeia mais fria, calculista. Demos aquela relaxada porque talvez não seria tão guerra como contra os sul-americanos. Baixou a guarda. A perda do Neymar nos abateu bastante. Nos agarramos muito no Neymar e esquecemos o que eles poderiam jogar. Foi uma série de fatores que influencia em resultado e fez com que perdesse aquele jogo histórico. Foi mais a falta de concentração, ver que era semifinal de Copa do Mundo, perdeu o brilho no olhar.
Felipão admitiu se arrepender de um convocado
Lembro na época, mas dentro do grupo ninguém procurou tentar achar qual jogador talvez ele teria se arrependido. Quem poderia responder seria ele. Eu vivia um momento diferente de 2013, um dos melhores da carreira. Em 2014 já não vinha tão bem, mas devido à Copa das Confederações e aos amistosos ele me levou à Copa do Mundo. Acho que não seria eu. Na minha cabeça acho que não. Fiz bastante coisa na seleção, nos treinamentos me esforçava, me dediquei. Não sei quem seria.
Sugeriu a reserva contra o Palmeiras
Para mim, particularmente, foi o começo do recomeço. Quando cheguei, as partidas não foram das melhores, ainda não estava no auge fisicamente, psicologicamente, era muito tempo sem jogar, tudo estava se juntando. Um jogo antes, contra o Audax, o professor Fábio pediu para eu ficar fora. Tive uma conversa, falei para ele que eu estava cansado e talvez não ajudaria como deveria. Ele falou: 'Não sei se te coloco com o Palmeiras, vai depender'.
O Kazim acabou fazendo o gol [contra o Audax] e fui muito sincero: 'O que tiver de fazer, o senhor faz. Se achar melhor eu ficar no banco, eu fico, não tem problema nenhum, só quero ajudar o Corinthians'. Ali ajudei, apoiei, foi um jogo difícil e, se não estou com a cabeça boa, do tipo 'estou no banco, que se dane o time'... Já vi muitos no futebol que torcem contra. Eu torci para ganhar o jogo e fui abençoado. Quando você atinge maturidade, as coisas acontecem para o lado bom.
Saiu do Corinthians cedo, mas na hora certa
Naquele momento, acho que fiz a escolha certa porque o Corinthians tinha acabado de trazer o Nilmar, tinha o Carlitos [Tevez], tinha sido campeão brasileiro e iria se reforçar para a Libertadores. Na minha cabeça, era a oportunidade de ir para fora, de realizar um sonho, de pensar na família e financeiramente. Por tudo que ocorria no clube, fiz a escolha certa.
NR.: Jô foi campeão brasileiro em 2005 e acabou vendido ao CSKA Moscou-RUS.
Elenco dividido na época da MSI
Não era uma divisão com maldade. Tinha muita garotada. Os mais velhos, talvez, não souberam se aproximar da gente com mais carinho, como hoje a gente tem com os mais novos de brincar. A gente consegue ter o discernimento de trazê-los. Por um motivo ou outro, sem menosprezo, os mais novos tinham sua panelinha, porque muitos jogaram Copa SP juntos. A gente ficava na nossa e eles na deles. O Carlitos se aproximava, o Gustavo Nery vinha brincar, o Marinho...mas Carlos Alberto, Roger e Mascherano ficavam mais na deles. Nada por maldade, formamos um grupo campeão.
Tevez e o contato entre eles
Perdi contato com ele. Aqui o contato era muito bom. A comunicação era difícil, o castelhano dele era muito enrolado para nós e o português ele não chegou a aprender. No City tinha mais espanhóis, eu enrolava meu portunhol, algumas coisas em inglês, mas sempre foi fechado. Nunca foi de muita conversa. Ele nunca vinha conversar com você. Mas a relação foi tranquila, dentro de campo era fantástico.
Ajuda de Love e opção pelo City em vez da Juventus
Fui muito novo ainda para a Rússia. No começo, fui questionado por ir para a Rússia, mas era uma equipe grande, que havia acabado de ser campeã da Uefa. Fui muito bem por lá, morando sozinho, e o Vagner Love me ajudou bastante. Na época fui para a Inglaterra, mas poderia ter ido para a Juventus, Inter de Milão ou Valencia, mas optei pelo City pelo projeto, pelo sonho de Premier League.
Na derrocada, "se perdeu" nos tempos de Inglaterra
Ali no finzinho [da passagem pelo City] eu já tinha participado de muitas coisas do meu sonho. Ali sim perdi a cabeça, já estava casado e talvez queria aproveitar o auge. Já tinha jogado Olimpíadas, estava crescendo como homem e ali foi o erro. A partir dali quis criar asas, fazer coisas sozinho sem pensar em ninguém, tanto que não permaneci na Inglaterra e vim ao Inter após muitos anos fora. As coisas não dão certo e você começa a rever um pouco, mas acha que ainda pode fazer as coisas.
Como os gols de Damião colocaram Jô mais para baixo
Ali no Inter, eu tinha voltado da Europa e a primeira coisa é que eu tinha me separado da minha esposa. Eu vinha para jogar, o presidente [Giovanni] Luigi me falou que estava vendendo o Damião na época e que eu ia jogar, mas acabou que não vendeu o Damião e ficou a disputa com ele naquele ano. E ele foi realmente fantástico, foi artilheiro do Brasil, então tudo aquilo mexeu comigo.
Voltar da Europa era para jogar, e pessoalmente a minha vida estava abalada por me separar, então me senti o dono de tudo. 'Não estou jogando, estou solteiro', acabei curtindo bastante e isso me atrapalhou. Eu estava sempre cansado, com sono, daí vieram as punições do Fernandão [então diretor] e do Dorival na época.
O longo abraço em Dorival no clássico com o Santos
Foi merecido [ser punido] porque eu não seguia a conduta do clube. O Dorival falou comigo: 'Você é bom jogador e tudo, mas não está cumprindo as normas dentro e fora do campo, vai ter de procurar outro clube'. Nesse jogo [com o Santos, recente] ele me abraçou, foi sincero e disse: 'Parabéns pela tua nova etapa na vida'. E brincou que agora não me mandava mais embora. Brincamos, demos risadas, mas não guardo mágoa de ninguém, até porque eu é que fiz isso.
Maior orgulho está no desempenho ou na mudança pessoal?
Sem dúvida o momento como pessoa. Sempre mostrei um bom futebol. Talvez não fui apontado como um craque, uma referência mundial, mas sempre fui um bom jogador, cumpri a minha função, fiz gols importantes. Mas viver o momento de maturidade, de ser um dos líderes do Corinthians, é maravilhoso. Tudo que eu mais queria era ser uma referência no futebol um dia, e hoje estou tendo isso, a oportunidade de mostrar o que passei no futebol.
Foi rival de David Luiz no salão no começo da carreira
Foi quando comecei a ganhar prêmios jogando salão, a ser campeão. Brinco com David Luiz, porque ele jogava no Engenheiros, um time na zona Sul, e ele era meia. Sempre no fim do campeonato era a gente com o Engenheiros ou Pequeninos do Jóquei na final, que tinha muitos jogadores no São Paulo e ia para fora. A partir dali comecei a ganhar prêmios, fui três vezes artilheiro, em um ano no salão fiz cem gols. Aí falei: 'Agora posso ganhar dinheiro com isso, ser famoso'.
Amigos se perderam pelo caminho
Eu morava na Cohab Teotônio Vilela, bem próximo ao terminal São Mateus. Eram prédios de cinco andares. Graças a Deus, eu sempre tive uma base familiar muito boa. Meu pai e meu irmão na época sempre me orientaram muito no que fazer quando não estava na escola, não se envolver com droga, com traficantes, não roubar, nem matar. Eu via muita coisa porque vivia na rua, meu pai era taxista e minha mãe doméstica. Vi roubo, tráfico, vi amigos presos. Não tenho amizades mais, mas são pessoas da minha infância que hoje estão em outro lado. Eu nunca me envolvi diretamente com isso por sempre me mostrarem que aquilo que não levava a nada, tinha que trabalhar para ter minhas coisas.
Jô no estádio como torcedor do Corinthians
A primeira lembrança fora do estádio é da final de 1998 [Brasileirão]. Nessa final, lembro muito bem de um jogo fantástico contra o Cruzeiro no Mineirão e depois no Morumbi. Esses jogos me marcaram muito. Em 1999, já no estádio. O meu pai não queria me deixar ir para o estádio e acabei indo, fomos campeões [brasileiros contra o Atlético]. São coisas que vêm bastante na minha memória como torcedor, porque sempre fui e não escondo isso. Amanhã posso estar em outra equipe, mas nunca vou me esquecer da equipe que me projetou no futebol.
Repetiu de ano porque focou no futebol
Eu era muito preguiçoso [risos]. Repeti um ano quando já estudava em escola particular. Me garantia muito porque jogava. Eu estudava no Colégio Drummond, onde estudaram o Zé Elias, o Maycon, o Léo Santos. Jogávamos a Copa Dan'Up na época, que era muito importante. Eu era capitão do time no segundo semestre, tinha boas notas, mas me dediquei mais ao campeonato. Fui conversar com doutor Osmar, dono do colégio e uma pessoa maravilhosa com quem até hoje tenho contato. Eu queria que, se ganhasse o campeonato, ele poderia facilitar ir para eu ir para a recuperação e não repetir direto. Ele disse: 'Tem de ser campeão e dou meu jeito'. Falei para os amigos e acabou que perdemos a final para um colégio do Ceará. Perdemos por 3 a 0, fui falar com ele, e ele disse 'não posso fazer nada, vocês não ganharam'. E repeti de ano.
Pai é muito próximo e também sofreu com bebida na carreira
Falamos todo dia, de manhã, tarde e noite. Ele era para ser jogador também. Jogou pouco tempo no profissional do Corinthians, rodou por Portuguesa, por Goiânia, e o que atrapalhou a carreira dele foi noite, foi bebida. Meu pai até então já sabia o caminho do sucesso e do insucesso. Pegou muito no meu pé e do meu irmão, é linha dura e gostava de falar o tempo todo. Depois dos jogos, até hoje ele fala de coisas que fiz de errado, sempre foi rígido, sempre teve uma criação muito boa, então é tudo para mim, sempre me ajudou.
Extracampo limitou Ronaldinho
Realmente, não tem o que falar dele. O que ele fez no futebol mundial foi fantástico, no meu modo de ver e acho que da grande maioria, foi um dos melhores e poderia ter dado continuidade. Não sei se foi falta de motivação ou outras coisas que atrapalharam, mas ele poderia ter ido mais além e jogar em alto nível até hoje. No período em que joguei com ele, me ajudou muito com jogadas, com orientações, sempre foi fantástico. Torço muito pela vida dele. Perdi contato um tempo atrás, mas quando puder vou conversar e agradecer a ele.
Testemunha da acusação de estupro contra Robinho
Estava junto. Foi um episódio muito chato, tanto para o Robinho, por ser casado e se envolveu naquela situação, e para os outros. Ele estava muito bem no City e foi realmente uma mentira. Estávamos em uma boate, curtindo entre amigos, e chegou uma menina querendo tirar fotos. Nós meio que barramos porque estávamos nos divertindo, sabíamos que éramos casados e daria confusão. Ela, por se sentir rejeitada, talvez, inventou essa história. Tanto que não deu em nada para o Robinho. Na época foi chato até para mim que estava junto, porque era casado, mas não passou de uma mentira. Por isso que eu falo que quando jovens a gente não pensa nas consequências.
Estilo Cuca x Estilo Carille
Naquele time do Atlético [MG], a gente deu certo no começo e foi até o fim assim. O Cuca até brincava na preleção e perguntava quantas primeiras bolas eu ia ganhar pelo alto. Tinha média de 10 ou 12 por jogo. Tardelli, Bernard sabiam que eu ia ganhar e deu certo. Hoje, com Fábio, o estilo é muito diferente. Sei jogar com os pés, não sou aquele cara tão burro, consigo jogar, me adaptei bem no estilo de tabelas rápidas, triangulações. São estilos. Gosto dos dois treinadores, Cuca me ajudou muito, me acolheu na época que mais precisava, me fez voltar ao cenário mundial, Fábio me ajudou a retomar de novo, como homem. São dois estilos, gostei muito do Cuca, adorei e amo jogar aqui e esse modelo do Fábio.