22/7/2016 12:27

Bronca de Pelé, noitadas e "inferno" com prisões: Piá passa erros a limpo

Depois de passar oito meses na cadeia por roubo a caixas eletrônicos, ex-meia de Santos, Timão e Ponte busca recomeço como auxiliar no Independente de Limeira

Bronca de Pelé, noitadas e
Piá passou oito meses atrás das grades na última vez que foi preso e agora busca recomeço na vida (Foto: Murilo Borges)


Coloque-se no lugar de um jovem que saiu de família simples no interior, ganhou rapidamente fama e dinheiro em um clube grande e teve a chance de ouvir conselhos do Rei do Futebol para não prejudicar a carreira com excessos extracampo. Foi o que aconteceu com Reginaldo Rivelino Jandoso, o Piá. De 23 para 24 anos, ele estava no apartamento após um treino do Santos quando o interfone tocou. Era Pelé na portaria. P-E-L-É.

O Rei, ídolo maior do Peixe, tinha investido em Piá e subiu para alertá-lo sobre os abusos na noite. Mais que um toque, era uma cobrança. Ainda no começo da passagem pela Vila Belmiro, o jogador já vinha ficando mais conhecido pelas festas do que pelo futebol. A bronca, no entanto, teve efeito inverso. Em vez de abrir os olhos de Piá, o deixou ainda mais deslumbrado.

- Você está na sua casa, toca a campainha, e é o Pelé querendo falar com você. Se ele foi até lá, você não é qualquer um. Ele disse que eu estava quebrando muito na noite, fazendo bagunça demais, que eu tinha de focar no futebol, no Santos, que ele tinha investido em mim e precisa de retorno. Eu fiquei ainda mais deslumbrado. O Pelé na minha casa? Aí achei que podia continuar agindo como eu estava.

Os abusos com balada e bebida continuaram, as constantes polêmicas com a Justiça mancharam uma trajetória promissora e levaram Piá ao fundo do poço depois da aposentadoria. Entre 2014 e 2015, o ex-meia de Santos, Ponte Preta e Corinthians foi preso três vezes por envolvimento em roubos a caixas eletrônicos. Na última, ficou oito meses na cadeia. Hoje, olha para trás como tempo perdido e tenta reconstruir a vida do zero, como auxiliar do Independente, em Limeira, onde tudo começou - e recomeçará, se Piá cumprir a promessa de, enfim, entrar nos trilhos. Das grades ele está livre. Agora é se livrar dos fantasmas do passado.

- Eu vivi o inferno. Sei o que é viver o inferno. Fiz uma promessa de nunca mais voltar para aquele lugar (cadeia). É o que eu farei, estou de volta ao futebol, se não der certo, vou trabalhar, fazer qualquer coisa, menos voltar para aquele lugar.

Piá deixou a Inter de Limeira para o Santos sem nenhuma orientação (Foto: Reprodução EPTV)


Em entrevista para o GloboEsporte.com durante um treino do Independente, Piá passou os erros a limpo. Assim como em campo, onde não se escondia nos momentos difíceis, não fugiu de nenhum assunto e assumiu a responsabilidade pelos vacilos. Sabe que poderia ter feito diferente - e ter ido muito mais longe. Também carrega algumas mágoas pelo distanciamento de quem o deixou sozinho quando mais precisou, entre parentes, amigos e até o clube do coração, a Ponte Preta. De personalidade forte, não mostra sinais de fraqueza. O arrependimento pelos atos não se transforma em emoção, nem em lágrimas. As respostas são diretas, como a vida foi com ele.

- Você fica um pouco abandonado. Tinha a minha esposa ali sempre do meu lado, mas você sente falta de uma carta, de ser lembrado pelas pessoas que estavam em volta de você quando tinha dinheiro, fama. Falo como um todo: a família, os amigos, os irmãos e os pais. Só lembram de você quando está bem. Queria ser lembrado pelo que fiz com as pessoas. Mas a vida às vezes é ingrato, o ser humano é ingrato.

Piá é o exemplo da armadilha que o futebol pode ser para quem não está preparado para lidar com o sucesso repentino. Em um dia, era um garoto de um bairro humilde de Limeira que se destacou na campanha de acesso da Inter à elite paulista, em 1996. No outro, é contratado pelo Santos, parte sozinho para o novo desafio, sem ninguém para orientá-lo como administrar o dinheiro e as tentações de uma realidade totalmente diferente. Foi muito para Piá assimilar.

- Futebol é da noite para o dia, é mágico. Quando você vira realidade, onde você chega, todos querem te tocar, tirar foto, pegar autógrafo, abraçar. Até pela situação, minha família não tinha instrução para me dar. O que meus pais poderiam ter feito, e não fizeram, era ir morar comigo, ficar do lado, trazendo na rédea curta. Imagina pegar um menino de Limeira, de um bairro pobre, que ganhava R$ 800 por mês, chega no Santos, com status de ídolo, é campeão logo de cara, ganhando muito dinheiro? Você se perde. É muita mulher, muita fama, dinheiro. Você tem tudo e não tem preparo para lidar com aquilo. Acha que pode tudo. Se eu tivesse alguém me segurando, talvez tivesse uma vida muito melhor do que tive. Porque mesmo sozinho, jogado para o mundo, passei por grandes clubes, como Ponte, Corinthians, Santos, Cruzeiro, Coritiba...

Olhar de Piá carrega arrependimentos e mágoas com situações que passou ao longo dos anos (Foto: Murilo Borges)


De fato, em campo Piá dava conta do recado. Era um meia habilidoso e criativo. Viveu o auge com a camisa da Ponte, entre 99 e 2003, quando, com status de contratação mais cara da história do clube, liderou o time até as fases decisivas de Paulistão, Copa do Brasil e Brasileiro. Marcou época com a camisa 10 da Macaca.

- Eu treinava e jogava no meu máximo. Fora, eu saía para os bares, noitadas, festas. Mas quando entrava em campo, domingo, às 16h, eu estava ali. O estatístico da Ponte mostrava que eu pegava 100, 120 vezes na bola por partida. Era quase mais vezes que todos os outros jogadores juntos. Eu não tinha medo de jogar, não tinha medo de errar. Errava por tentar demais, mas nunca pecava por omissão.

Piá viveu auge na Ponte, onde foi ídolo, mas seguiu se metendo em confusão (Foto: Reprodução EPTV)


Ele lembra com carinho do clube e da torcida, mas diz que deixou de receber uma grana alta da administração da época, que já tinha o presidente de honra Sérgio Carnielli à frente. Segundo ele, foram mais de 20 meses de direito de imagem entre 2002 e 2003, além de luvas. A assessoria de imprensa da Ponte informa que, de acordo com a atual diretoria, não existe nenhum registro de dívida com Piá e que todos os antigos débitos com o jogador foram quitados.

- Não guardo mágoa, porque é o clube que amo, sou pontepretano de coração, adoro a torcida e vivi uma história linda na Ponte. No momento mais difícil, não abandonei a Ponte. Quando começaram os problemas, todo dia tinha jogador indo embora, e Internacional, Atlético-MG, Corinthians ligando atrás de mim. Os jogadores falaram que era para eu sair também, mas eu fiquei, não ia abandonar o clube que me acolheu, abriu as portas para mim. Tinha consideração pelo clube e pelas pessoas. Fiquei meio ano de 2002 e o ano inteiro de 2003 sem receber quase nada, ganhava para sustentar a família e só. Mas fiquei até o fim. Não deixei cair em 2003 e só fui para o Corinthians em 2004 quando a Ponte estava estabilizada. Tive algumas promessas de pagamento, não coloquei na Justiça e acabei perdendo o tempo de receber. Não era pouco dinheiro, era muito. Talvez fosse minha independência financeira. Achei que teria reconhecimento por 2003. Todo mundo que abandonou e entrou na Justiça recebeu. Depois que eu saí, nunca recebi um convite nem para entrar no estádio, assistir um jogo, trabalhar, ir para uma festa.

Apesar das campanhas de sucesso com a Ponte, Piá continuava aprontando fora das quatro linhas. Chegou a ser condenado a um ano de prisão por porte ilegal de arma. Durante uma blitz, a Polícia Militar encontrou um revólver com numeração raspada no carro dele, que foi detido em flagrante e liberado depois de pagar uma fiança de R$ 230. Como era réu primário, teve a pena revertida em prestação de serviços comunitários. Também respondeu por processo como co-autor de um assassinato em Limeira. O crime foi cometido pelo primo dele em uma lanchonete. Segundo testemunhas, Piá teria dito ao primo para pegar uma arma no carro. As informações constam em reportagens da época da EPTV, afiliada da Rede Globo.

Piá acabou absolvido da acusação, mas o caso interferiu diretamente no futuro da carreira. Ele conta que por conta da ação deixou de fechar um contrato de quatro anos com o Panathinaikos, da Grécia.

- Depois de um período emprestado para a Matonense, em 2000, voltei para o Santos, que estava montando um baita time, com Dodô, Valdir Bigode, Caio (Ribeiro), Rincón. Eles queriam que eu ficasse lá. Depois de um jogo contra o Flamengo, estava treinando e me tiraram do treino porque tinha um pessoal do Panathinaikos, da Grécia, que queria me comprar. Sentamos, negociamos e acertamos tudo para eu ser vendido, mas como respondia criminalmente por conta do homicídio em 99, eu poderia sair do país para fazer excursão, mas não poderia morar lá fora. Eu seria vendido por quatro anos de contrato, ganhando em euros, mas acabei não indo por causa desse problema. Eu estava com meu primo no lugar errado, na hora errada. Como eu era o Piá, acabou repercutindo tudo em cima de mim, colocaram no processo que eu tinha mandado meu primo atirar, isso atrapalhou demais a minha vida. Minha vida teria sido diferente na Grécia. Depois a Ponte acabou me comprando.

Piá se compara a um ganhador da loteria que não soube administrar tanto dinheiro e perdeu tudo. Da vida de luxo que ostentava com carros, joias e festas, não sobrou nada. A situação piorou após pendurar as chuteiras. Foi quando se envolveu com pessoas ligadas ao mundo do crime. Em dificuldade financeira, admite que participou de alguns roubos a caixas eletrônicos. Fala abertamente sobre o tema, até conta como colocava o equipamento para "pescar as notas", mas não sabe quantificar o número de roubos nem o valor que tirou. Garante que não ganhou "pouca coisa". Em três vezes acabou preso. Em duas delas, diz não ter "feito nada". Na última, admite que ter sido pego em flagrante e foi réu confesso no tribunal.

- Infelizmente a vida acabou com tudo. Quando você tem dinheiro, aparece amigo e parente de onde você nunca imagino, e eles te idolatram e vão sugando até acabar. Depois abandonam. Não tenho ideia de quanto perdi, mas foi muito. Nunca usei droga, era mais da bebida, noitada. Vai fazer uma festa, bancava para todo mundo, com mulherada. O maior arrependimento da minha vida foi quando me encontrei em uma situação difícil da minha vida, tanto de saúde quanto financeira, e acabei encontrando pessoas erradas no meu caminho e fui para um caminho que não era o meu. Na primeira vez que fui preso, encontraram uma bolsa com aparelhos que não era minha, um amigo tinha esquecido lá. Quando saí da cadeia, tentei fazer, não consegui e acabei preso de novo. Depois, fiz, confessei e paguei o que eu devia. O mais difícil é perder o direito de ir e vir, o direito de liberdade. O lugar, a forma como tratam as pessoas lá. Até pelo fato de o futebol ser uma coisa maravilhosa para mim, a ponto de ser reconhecido até mesmo lá (na cadeia), nunca tive problema de convívio com ninguém.

Durante os oito meses em que ficou confinado, Piá teve tempo, entre muitas partidas de futebol, para refletir sobre os rumos que tomou na vida. Se pudesse voltar atrás, teria sido mais profissional para se afastar das influências negativas. Apoiado na fé, está livre desde abril e sonha em virar treinador profissional. O primeiro passo é trabalhar como auxiliar do Independente. Mora com a esposa em Araras e tem dois filhos do primeiro casamento. Um deles está ao lado dele no dia a dia do novo clube. Felipe, de 22 anos, é zagueiro do Independente.

Depois de muitos erros no passado, Piá olha para o futuro com missão de reconstruir a vida (Foto: Murilo Borges)


- Infelizmente a vida acabou com tudo. Hoje sou casado, tenho esposa, que trabalha em um salão de beleza e vamos lutando para se sustentar. Não cheguei ao ponto de passar fome, sobrevivemos, moramos de aluguel. Quero ser treinador. Passei minha vida toda no futebol, quase sempre em alto nível, nas melhores competições. Quero buscar o mesmo sucesso com treinador, agora com outra cabeça, muito mais tranquilo, concentrando. Estou começando ainda, mas quero chegar lá no topo, aprendendo, ouvindo mais do que falando. Eu falo para o meu filho e para os outros jovens. Eu sou o exemplo vivo do que eles não devem fazer. Digo para aprender com os meus erros e não com os deles.

Depois de tantos julgamentos, seja da sociedade ou nos tribunais, o veredicto do próprio Piá sobre suas atitudes é tolerante com tudo o que passou, até por considerar que foi o único prejudicado com seus deslizes.

- Eu me vejo como inocente, nunca fiz mal para ninguém. Os meus erros só prejudicaram o Piá, mais ninguém. Na minha glória, fiz todo mundo sorrir, só ajudei, nunca pedindo nada em troca. Infelizmente a vida gira, e quando você se vê em uma situação diferente, precisando de amizade, carinho, são poucas pessoas que te dão apoiam. Mas eu nunca dependi de ninguém, lutei sozinho e mais uma vez será assim na busca para vencer de novo.


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