Diante das câmeras, abraço e beijo entre técnico e dirigente (foto: Vanderlei Almeida / AFP)

O ego venceu. O mesmo Tite que, em dezembro do ano passado, assinou um manifesto pela renúncia de Marco Polo Del Nero foi o Tite que abraçou e beijou o presidente da CBF em sua apresentação como técnico da Seleção Brasileira.

“Seleção Brasileira.” Foi assim, com nome e sobrenome, durante os mais de 40 minutos de entrevista coletiva, que Tite se referiu à equipe que treinará. Dá uma noção de quão grande é a instituição para o treinador. Para muitos, é o ápice da profissão. Para Adenor Leonardo Bachi, é a consagração da carreira. Um feito tão grande que lhe fez ignorar os princípios que o motivaram a pedir a saída de Del Nero seis meses atrás.

A coletiva desta segunda-feira começou justamente com essa pergunta. Era o que todos queriam saber. O que teria feito Tite “esquecer” o documento de dezembro e aceitar trabalhar para uma diretoria que, segundo ele mesmo, deveria ter pedido as contas? O técnico foi evasivo. Alguns minutos depois, a questão voltou. Tite tangenciou lá fora, como manda o livro de pilotagem em pistas escorregadias. Não criticou o agora chefe.

Ficava claro que sua opinião não havia mudado. O gaúcho apenas preferiu aparentemente armazená-la na nuvem em nome do novo emprego. E, já com mais de meia hora de papo com os jornalistas, a insistente indagação fez mais uma aparição. Por quê, Tite? Por quê? O gaúcho saiu driblando cones e tentando disfarçar sua ambição, mas não conseguiu. O ego venceu.

“Já coloquei que me foi dada essa atribuição com a Seleção Brasileira de futebol, e é a melhor maneira que eu tenho para poder dar uma contribuição. Primeiro, um objetivo meu, pessoal… De vaidade? Não. De construção de carreira, de ser técnico da Seleção Brasileira. Pô, julguem da forma que vocês quiserem, mas a minha contribuição para o futebol é aquilo que eu sei, e essas ideias que já coloquei, de transparência, de democratização… Elas continuam como princípios meus na minha atividade. Não vou julgar, não compete a mim julgar outras áreas políticas ou sociais. A minha atribuição está designada. ‘Te serve dessa forma? Tu queres dessa forma?’ Sim. A área do futebol, sim.”

Seleção Brasileira: recompensa, status e oportunidade (Foto: Vanderlei Almeida / AFP)

Não há aqui intenção de julgar ou condenar Tite. Digamos que se o sonho do autor deste texto fosse chefiar a comunicação da Casa Branca, ele pensaria um bocado antes de dizer não até mesmo a Donald Trump, cidadão que reúne um conjunto desprezível de valores para este escriba. Sentado à beira de uma lareira na Serra Fluminense, é fácil dizer não. Convidado para ir a Washington, com proposta feita e salário escrito em um guardanapo presidencial, a tentação seria enorme. “Tu queres dessa forma?”

Não, ninguém vai convocar um tribunal de seus pares. A Seleção Brasileira, nome e sobrenome, tem talvez a história mais rica do futebol mundial. A Amarelinha venceu cinco Copas do Mundo, vem com com herança e status. É consagração e oportunidade. Era muito para Tite colocar acima de princípios.

“ (…) Eu estava vindo para estar técnico da Seleção Brasileira e me permiti, pela minha carreira e pela oportunidade, dizer ‘pô, cara, é a tua hora. Vai, cara! Daqui a dois anos, vai ser outro profissional.’ São ciclos. São momentos que cada um vive.”

Tite não disse com todas as letras, mas ficou no ar: não fosse ele a “esquecer” o manifesto contra a CBF, seria outro fazendo o mesmo e assumindo a Seleção Brasileira, aquela com nome e sobrenome, nesta segunda-feira, no Rio de Janeiro. “Tu queres dessa forma?” Tite quis. O ego venceu.