1/12/2015 08:42

Ex-marginal

Em entrevista sem citar futebol, técnico lembra brigas na infância, cobra honestidade dos políticos, mostra ciúme da filha e garante não saber nem o gosto de caviar

Ex-marginal
Ade era um valentão metido a besta. Não fugia da briga, gostava dela, encarava, queria a guerra para provar que poderia vencê-la. Miro, o mais novo dos Bachis, adorava: “Se vocês agitarem, vou chamar meu irmão”. E Ade ia. Virava um justiceiro do caçula, um protetor da turma de amigos que infernizava freiras para jogar futebol em um colégio de engomadinhos de Caxias do Sul. A valentia, porém, tinha limite e desaparecia diante de um grandalhão qualquer que não confiava em sua fama de destemido ou do olhar devastador de Seu Genor, o pai linha dura na criação da família. Era hora de correr.

Ade virou Tite. O terror das freiras virou um devoto fervoroso de Nossa Senhora Aparecida. Construiu sua personalidade com referência na vida que levava no interior do Rio Grande do Sul. Continua movido por desafios, por uma guerra interna sempre voltada para o novo. Mas não queremos falar com Tite. Esse é bem conhecido. Queremos saber o que Adenor pensa. Sobre a vida, a educação dos filhos, a política, seus gostos, religião, a cidade em que vive.

Adenor conversou com o GloboEsporte.com por cerca de 40 minutos. O cenário era convidativo: entre a churrasqueira e a piscina do CT do Corinthians, clube do qual é técnico multicampeão. Gargalhou várias vezes ao lembrar da vida de "guri", cantou Leandro e Leonardo como homem apaixonado pela esposa Rose, mas também falou sério. O Ade justiceiro da infância reapareceu para bradar por um país melhor: "Corrupção mata!"


GloboEsporte.com: Qual é a primeira lembrança que você tem da infância?
Tite: Era no colégio Madre Imilda. Nós reuníamos um grupo de amigos para jogar futebol ali. Mas era um local reservado, as freiras não deixavam. Nós pulávamos a cerca. Elas vinham reclamar, e nós ficávamos escondidos. Quando elas viraram, nós “tchuf” (faz o som com a boca) de volta. Era só futebol, só bola. Isso quando não apelávamos com elas, saía tudo o que era palavrão (risos). Moleque, né? Era um colégio particular, de poder aquisitivo maior.

Eu estudava em um estadual, mas esse era mais próximo de casa, era bom para jogar.
Era briguento?
Você falou com meu irmão? Ele falava: “Ade, você era um marginal, só queria dar porrada, brigar, louco para arrumar confusão”. No colégio, ele dizia: “Se vocês agitarem, vou chamar meu irmão”. E todo mundo ficava quieto. Eu era meio brigão, do atrito, do choque.

Mais apanhava ou batia?
Eu mais bati, até porque quando eu filmava e via que não dava, saía fora (risos). Tínhamos um grupo de amigos, uma patotinha. Quando brigava com um, brigava com todo mundo.

Como isso era encarado por seus pais?
Meu pai sempre foi muito sério, falava pouco. A comunicação dele era com os olhos, do visual, do corporal. Ele só olhava e fala: “O que foi? Chega!”. Minha mãe falava bastante, oposto ao pai. Ele era quieto e comedido. A mãe, não.

Você é a favor das palmadas?
Tem momentos que sou mais contido, uma mescla. Depende do momento, o meu lado íntimo. Não sou a favor da violência, mas já dei uma palmada na mão do Matheus (filho mais velho). Ele gostava muito de filmes, e eu em um momento de saco cheio. Estávamos em uma locadora, ele pedindo: “Me dá aquele outro, me dá aquele outro”. Peguei a mão dele e dei (um tapa): “Eu já te falei que não!”. O cara que estava na locadora me disse que eu poderia falar com ele, não tinha necessidade daquilo. Até hoje eu lembro. O cara estava certo.

Como funciona hoje? Matheus tem 26 anos, e a Gabriele, 20...
O lado afetivo, eu verbalizo bastante. O lado do “Me deixa quieto”, do punitivo...eu olho, mudo o tom de voz e falo uma vez só.

Você é ciumento com eles?
Ela tem namorado (risos). É estranho, né? Para o filho você fala para voltar a hora que quiser, para ficar frio. Com a menina, é: “Onde tu vai, mas tu não avisou, quando tu volta, ih, mas vocês foram...”. Compreensível, né?
Então, agora você tem um genro...

Eu o conheci há seis ou sete meses. Ele me filmou muito, ficou cuidando (risos). A Rose (esposa) sabia. A Gabriele tinha me falado: “Pai, tenho que falar uma coisa. Estou ficando, conheci uma pessoa que gosto”. Eu olhei, fiquei quieto, que negócio é esse? A Rose não me falou nada? Ele veio pianinho, mas depois ficou normal (risos).
Ela pode dormir na casa do namorado

Tem algumas regras básicas. Pode até ficar em casa, mas de um lado, e eu do outro. Quarto bem distante (risos). Trago um pouco do respeito, deixa o devido tempo acontecer. Não sou tão liberal assim. Entendo que é um processo, mas tem um pouco de limite.




Não quer ter netos?
Matheus vai casar em janeiro. Minha esposa fica falando de netos. Deixa quieto, está bom assim, não precisa de netos (risos).

É romântico? Tem ciúmes da esposa?
Sou. A ponto de mandar uma faixa no restaurante da minha esposa com flores. Ciúmes numa proporção exata. Tudo o que a gente gosta, a gente cuida. A gente se cuida.

Foi difícil conquistá-la?
Foi mais difícil conquistar os pais dela. Vaza daqui! Eles não queriam por eu ser atleta. Hoje é diferente. Mas eu comi um dobrado ali para chegar em casa, comi uma massa (risos).

Muitas pessoas imaginam que alguém como você, um treinador renomado, com salário elevado, já nem tenha mais sonhos de consumo. É assim mesmo?
Tenho alguns, sim. Eu sou um cara simples nas minhas necessidades. Não vou mudar meu padrão de vida. Gosto muito de frango atropelado, maionese e farofa. Você mistura a maionese com a farofa e come o frango atropelado. É uma delícia, cara! Eu não tenho vergonha de falar que gosto.

Então, não tem hábitos requintados para comer?
Gosto do meu churrasco. De costela de tira, aquela fininha para colocar na grelha, e aquela larga, de espeto. O gosto dela é melhor do que picanha ou qualquer outra carne. Uma vez, um clube veio me contratar e me levou no Fasano (restaurante famoso de São Paulo). Eles deram uma entrada que até hoje eu não sei o que era e como comia. Vi que eles estavam comendo e pensava: “Mas que diabo é aquilo?!”. Eu sou um cara de gostos simples. Você gosta de javali? Gosto. De faisão? Gosto. Eu comi um marlim-azul com o Matheus nos Estados Unidos, uma carne tenra,

gostosa. Claro que aprecio. Mas eu não sou extravagante. Não sei nem o gosto de caviar.



Você cozinha? Ajuda em casa?
Nada, (sou) ruim. Acho perda de tempo. Quando fico cozinhando penso que dava para ler um livro. Vou ficar fazendo o que aqui? Quando minha esposa sai, falo para ela deixar tudo congelado. Ou então, vou comer pizza e salada o tempo todo. Sou uma trava danada, só faço o churrasco. Esses dias eu lavei a louça, tomei uma prensa da família. Eles disseram que o pai nunca faz nada. Aí eu disse que lavaria louça. Mas é ruim lavar!
Você gasta muito dinheiro?
Para os outros, filhos e esposa, eu digo "Vai lá e compra". A Rose e minha filha são mãos fechadas para caramba. Minha esposa controla as finanças em casa. Eu tenho muitos afazeres para cuidar. Então, a organização e o planejamento da casa é com ela, a universidade dos filhos...

O que faz você gastar dinheiro sem pensar?
Em todos os clubes que passei com títulos sempre teve um pingente ou um anel para a Rose. Sempre tem uma marca. Em um dos títulos brasileiros dei um pingente que é uma imagem de Nossa Senhora. Teve também um anel no Grêmio pela Copa do Brasil (2001). É um ritual nosso. Agora, vou ter de encontrar alguém para fazer essa marca do título brasileiro.

Não é fã de carros de luxo?
Gosto, mas sem extravagância. Praticidade.

Dirige?
Não, só no Tatuapé e aqui (CT Joaquim Grava, na rodovia Ayrton Senna). Não aguento, não! Bah! Se precisar atravessar a cidade, não. Só se colocar o GPS. Mesmo assim, coloco o Matheus para dirigir, e fico só comunicando. Não tenho muita paciência.

O que achou da redução de velocidade nas marginais Tietê e Pinheiros de 90km/h para 70km/h?
Não tenho opinião formada. Sei que pode diminuir as estatísticas de acidentes e mortes. Em contrapartida, aumenta o número de multas. Não sei se esses dados são verdadeiros.





É a favor das ciclofaixas, que têm provocado polêmica?
(Silêncio). Para mim, ter um fluxo maior de trânsito e ter locais específicos para andar de bicicleta é mais racional em uma cidade como São Paulo. Gosta de viver em São Paulo? Eu gosto. Abri mão de Caxias do Sul para ser paulista e porto-alegrense.

Costuma acompanhar a política?
Eu procuro sempre ver os noticiários, principalmente o Jornal Nacional e o Jornal da Cultura. Fiquei muito feliz enquanto cidadão brasileiro de ouvir a Cármen Lúcia (ministra do Supremo Tribunal Federal, que fez discurso na semana passada, atacando a corrupção).

Eu me senti orgulhoso de ser brasileiro, resgatei a autoestima de ser brasileiro. Eu aplaudia em casa! Chega, basta de sacanagem! Chega de matar com corrupção! Corrupção mata também, mata sonho, mata educação. Chega de impunidade, de sem vergonha achar que é de qualquer jeito, viajando de jatinho e fugindo para conluio e conchavo. Chega! Cármen Lúcia, um beijo no seu coração, a minha admiração e meu respeito como cidadão! Tenho orgulho de ti! Muito obrigado!

Há um sentimento na população desconfiar da Justiça. Você ainda confia?
Sim. Se não for, é um processo de depuração. É um processo de busca de responsabilidades. O futebol tem muito disso. Para o futebol, se justifica tudo. Para ganhar pode ser malandro? Chega, para! Vai dar nos dedos, vai meter no xilindró para ver se não para. A (mudança) na educação é a médio e a longo prazo. Mas a punição precisa ser a curto prazo para ter um Brasil melhor.

Você pode revelar em quem votou para presidente?
Não posso.

Mas acompanha o trabalho de quem escolheu para votar?
Sim. Meu domicílio eleitoral permanece em Caxias porque conheço as pessoas há um longo tempo. Consigo ter uma referência melhor do que em São Paulo e em Porto Alegre para avaliar alguém.






Você é quase unanimidade no Brasil. Algum político tentou se aproximar para aparecer?
Eu procuro ter um limite das coisas para que não confundam ou pensem que estou apoiando alguém.

Mas você viveu algo parecido com isso em 2012...
Sim, tu sabes. Não era para aquilo, me deixou puto, mandei logo e em seguida cortou. Não brinque de faz de conta e não queira levar vantagem em cima das coisas.

NOTA DA REDAÇÃO: Na ocasião, o ex-jogador Marcelinho Carioca, candidato a vereador em São Paulo, colocou em seu programa eleitoral um vídeo de Tite falando sobre o Pé de Anjo. O treinador se revoltou e alegou que não sabia que o material seria usado para fins eleitorais.

Você é católico praticante. Como a religião faz parte da sua vida?
Gostaria de dizer para as pessoas que eu vou à missa do padre Marcelo Rossi, vou à do padre Denilson, na missa da Nossa Senhora do Bom Parto às 7h, vou à capela do Parque São Jorge. Espiritualmente, precisamos estar fortalecidos para exercer bem a nossa atividade. Deus é o Deus de todos e não vence ou perde jogos. Minha mãe é muito devota. Eu brinco que ela tem uma série de santinhos, um plantel maior que o meu (risos).

Como você lida com as outras religiões?
É o mesmo Deus. A maior religião é fazer o bem. Não que você vá acertar tudo, mas ter a ideia de fazer o bem. O Julio Cesar (ex-zagueiro, com quem jogou no Guarani) era evangélico, e nos dávamos extraordinariamente bem. Quando eu era atleta, havia os Atletas de Cristo. Se eles são Atletas de Cristo, eu sou o quê? Sou de quem? Só não gosto dessa denominação ostentosa. Todos nós somos atletas de Cristo.

Lembra de alguma promessa ou um grande pedido que fez a Deus?
O que eu mais peço é saúde. Vou a Caravaggio (santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha-RS). Vou mais no sentindo de agradecimento. Esse ano vai ter uma visita, vou agradecer, sim. Eu, Matheus e Miro (irmão dele).

O que pensa sobre o extremismo religioso?
Lastimo, repudio, enoja as pessoas. Eu não consigo entender como a cabeça dessas pessoas funciona, essa lavagem cerebral. Vi crianças de oito, nove, dez anos, falando que, se você se suicidar, vai chegar perto de Deus como um cara purificado. Como isso entra na cabeça das pessoas?





Tem acompanhado as notícias sobre o desastre em Mariana?
É uma irresponsabilidade de, daqui a pouco, não gastar de forma preventiva com uma coisa de risco. É chocante o que a gente vê. Ao preço de quê? Uma grana maior? Choca! É corrupção também. De diferente forma, mas é.

Mudando de assunto, que tipo de música você mais gosta?
Sou um cara eclético, gosto muito de Lulu Santos. Sei que ele vai fazer um show aqui em São Paulo no fim do ano. Se eu estiver aqui...gosto de sertanejo, de Bruno e Marrone. Quando o Matheus era pequeno, ficávamos cantando uma música no carro, não sei se é de Bruno e Marrone...

Pode cantar, Tite!
As luzes da cidade acesas / Clareando a foto sobre a mesa ... (enrola a letra).... nesse apartamento / Olhando o brilho dos faróis / Eu me pego a pensar em nós / voando na velocidade do meu pensamento / E saio a te procurar / nas esquinas em qualquer lugar...ixi, e outras mais...das do Lulu eu sai quase todas. Gosto de música de raiz, adoro o Rolando Boldrim (Sr. Brasil, da TV Cultura), as histórias que ele conta são fascinantes, gostaria de ir ao programa dele.

NOTA DA REDAÇÃO: a música foi gravada pela dupla Leandro e Leonardo.

Toca algum instrumento?
Toco nada, mas gosto muito de samba. Thiaguinho, a música tema da Libertadores (A amizade é tudo). Agora tem o tema de campeão brasileiro. Os jogadores fizeram um churrasco aqui e ficavam tocando toda hora (Porradão, do Grupo Pedindo Bis). Sei que ela tem o porradão. É o porradão de não sei o quê. Tocava toda hora! Indo para o ônibus, tocava. Com o Matheus indo para a casa, tocava! Só dava porradão aqui (risos).







Costuma a ir a shows, peças de teatro, cinema?
Teatro eu gosto. Fui a uma peça da Irene Ravache e do Dan Stulbach (“Meu Deus!”). No cinema, fui ver “Meu passado me condena”. O título é bem sugestivo, qual o passado que não condena alguém?

O passado condena você?
Em alguns momentos, condena.

Em que momentos?
Tu não queres que eu estrague meu casamento depois de 35 anos, cara! Deixa eu quieto, pô! Não sou só eu. Condena todo mundo em algum momento (risos).

Você sempre diz nas entrevistas que vai tomar uma caipirinha para comemorar. Teve muitos porres?
Bebo cerveja e caipirinha de vodca. Durante a semana, não tenho o hábito de beber, não gosto. Quando tem churrasco, é só caipira e cerveja. Sempre acompanha uma cerveja porque chega a um ponto que a caipira não desce mais. Tomo duas caipiras e depois uma cervejinha. Aí fico mamado e vou dormir (risos). O mais recente porre foi depois do título. Tomei uma caipira desse tamanho (mostra o copo com as mãos) e uma cerveja. Uma repórter me pegou no final da festa, e eu já estava com a língua grossa. Estava ferrado, parecia slow motion. Fiquei mamado e fui dormir.

Gosta de cachorro ou gato?
Nenhum dos dois. Não gosto de ter animal. Eu me reservo, porque me afeiçoo ao animal. Deixar em casa sozinho, daqui a pouco morre...eu me reservo.

Tem medo?
Eu me borro de medo de cobra. Bah, que bicho nojento!

O que vai fazer nas férias?
Vou para Torres (litoral do Rio Grande do Sul), tomar chimarrão e ver aqueles jogos demais (os melhores jogos do campeonato). Vou me tornar assistente de todo o Campeonato Brasileiro (risos).


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