20/5/2014 15:14

Opinião: do Morumbi a Itaquera, uma história em família

Derrota no Itaquerão lembra de algumas estreias desastrosas do Timão

Opinião: do Morumbi a Itaquera, uma história em família
Getty Images



O menino acordou sobressaltado naquela manhã ensolarada. Palhinha ia estrear pelo Corinthians. Acompanhou tudo, durante os recreios da escola. Cada passo da negociação que levou o astuto presidente Vicente Mateus a trazer o jogador, ídolo do Cruzeiro, por Cr$ 7 milhões.

O que ele queria agora era levar o irmãozinho, cinco anos, para a partida. Incumbiu-se da missão de fazer o garoto se tornar corintiano. Mas o pequeno resistia em se arrumar para a partida.

— Ô pai, vamo logo pro jogo, avisa o mano para colocar a camisa antes que o trem vá embora. Senão só daqui a meia hora.

O irmão mais novo, em meio a resmungos, se arrumou e lá foram eles, de trem, de Itaquera ao Morumbi, acompanhando a mudança na paisagem. Dos barracos da zona leste, passaram pelos prédios do centro, árvores de Pinheiros até a amplidão explorada por apenas algumas mansões no Morumbi.

Havia 60 mil pessoas no estádio, naquele domingo de março, 1977. Mas nem o grito em uníssono da torcida serviu para alguma coisa. O Corinthians entrou travado, parece que a estreia atrapalhou. Muita pressão e 3 x 0 para o Guarani, um timaço formado por craques como Renato e Zenon.

Ao ver a tristeza do irmão, o menor logo se aproximou, no banco do trem e o abraçou com suas mãozinhas.

— Não liga não manão. Eu gostei do Corinthians. Muita gente pulou e foi engraçado. Vou ser corintiano.

Então o semblante do rapaz, antes preocupado em decepcionar o pequeno, se transformou em algo radiante de alegria. A derrota do time virou uma vitória particular. Sensibilizou-se porque sentiu que o menino queria agradá-lo.

Eis que se passaram quatro anos e, em março de 1981, foi o menor que o chamou para ir ao jogo de estreia do Zenon pelo Corinthians. O mais velho já não ligava para futebol como antes, estava mais preocupado em arranjar namoradinhas nas festas da escola.

O pai, sempre atencioso, os acompanhou novamente. Foram os três, de Itaquera ao Pacaembu, também observando todas as oscilações urbanas pela janela do trem. A companhia silenciosa que um fazia para o outro já bastava.

E novamente o Corinthians perdeu. E novamente por goleada, 4 x 1. Quem ficou triste desta vez foi o caçula. Então o maior, que já não ligava tanto para futebol, se aproximou e retribuiu a gentileza de anos antes.

— Tranquilo maninho, futebol é assim. Lembra que em 1977 o Corinthians foi campeão? Agora vai ser o mesmo. Daqui a pouco vamos ser campeões de novo. E se formos, te levo no estádio que o Matheus vai construir aqui do lado, na zona leste.

O menininho ficou aliviado, ainda mais com as conquistas do Paulista de 1982 e 1983. Até acreditou que o estádio ia chegar logo, mas demorou...

Itaquerão passa no teste para Copa. Trânsito pesado, falta de sinalização e cambistas são maiores problemas

...Até ele fazer 38 anos. Advogado, foi morar no Morumbi. Nunca mais o Corinthians jogou por lá. Agora era uma nova era, era tudo em Itaquera. O mundo virou do avesso. Profissionalismo, agressividade excessiva, muitas cobranças.

A zona leste ficou muito povoada. Ganhou condomínios que pareciam Miami Beach. Outra parte ganhou ainda mais favelas. Mundo de pressa, high tech, sem tempo pra nada, só conversa fiada.

O Corinthians até foi campeão mundial, mas cadê o romantismo? Ele via muita gente se dizer corintiana como se fosse ator. Como se a pessoa quisesse cumprir um papel de corintiano, preencher um vazio, se incluir.

Mas de uma forma mais imposta por uma massa do que por opção individual. De uma manifestação cultural, ainda presente nos anos 70, futebol tinha se tornado moda. Ou instrumento de intolerância.

Há alguns anos ele havia brigado com o irmão. Nada a ver com futebol. Foi herança. Não se entenderam sobre como seriam divididos os bens do pai, que havia aberto fábrica na zona sul, para onde todos foram.

E naquela estreia do Corinthians no Itaquerão, ele decidiu ir, depois de muito tempo longe de estádio. Pegou o metrô. No começo foi tranquilo, mas depois começou a lotar. Ele já não tinha paciência para marmanjo gritando. Não havia aquela alegria como nos seus tempos de trem.

Estava muito chato, tudo parecia forçado, maquiado, aquela frase “vai curintia” não tinha graça nenhuma. Sentiu mais tédio do que antes de ir para a estreia do Palhinha. Mesmo assim gritou, fingiu, atuou. Até cerveja bebeu. Gostou de ver o Itaquerão, mesmo com problemas, mas sentia que faltava alguma coisa.

E como em toda a estreia em que foi, nova derrota. 1 x 0 para o Figueirense. O pai já não estava, do irmão não teve notícias. Andava sozinho, à marce da multidão. Pegou o metrô de volta, rumo ao Morumbi. Na estação Tatuapé, deu treta. Duas pessoas do outro lado começaram a brigar.

Ele colocou a cabeça para fora da porta aberta, enquanto o trem não andava. Mas nem ouviu o apito, avisando que ia fechar. As duas partes iam acertar direto a cabeça dele, quando uma mão o puxou para trás e gritou.

— Tá louco mano? Quer morrer?

Olhou para o irmão mais velho, rosto enrugado, já com quase 50, e logo apostou.

— Cê me seguiu safado?

— Cê não dá sorte mesmo em estreia hein?

— Eu, é?

Então deu aquele mesmo toque no ombro dele, com mesma mãozinha agora bem calejada. Mais nada. Depois, sorriram. E voltaram juntos para jantar no Morumbi, fazendo o caminho inverso, mas com a velha emoção de volta. A mesma. O que prova que ser corintiano não é apenas comemorar as vitórias. Ser corintiano é simplesmente ter o Corinthians nos momentos importantes. Em qualquer estádio. Em qualquer lugar.


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