Ele nunca foi jogador de futebol, jamais assinou contrato milionário ou foi merecedor de gritos eufóricos da torcida depois de marcar um gol. Mas ninguém conhece e passa mais tempo no campo da Arena Corinthians do que ele. De segunda-feira a sábado, entre adubação, pulverização e corte, feito em dias alternados, está sempre lá. Seu "escritório" é o gramado.



Fábio Augusto Mendes, 36 anos, é o encarregado do gramado do estádio que será reaberto para treinos na segunda e terça-feira. E que receberá seu primeiro jogo na próxima quarta-feira, Corinthians x São Bento, depois da primeira troca e renovação da grama.

Ele, que viveu e viu de perto a história acontecendo sempre como um personagem invisível, sentiu tristeza solitária no inicio do processo.

A troca do gramado teve início em dezembro. Desde então, o Corinthians mandou três jogos do Paulistão no Pacaembu (derrota para a Ponte Preta, vitórias sobre Ferroviária e São Paulo).

– Quando arrancou (o gramado) deu aquele aperto no coração porque foi um pedaço da história (que foi arrancada). Tudo que já tinha passado aqui, o Corinthians, Copa do Mundo, Olimpíada, e depois a renovação... O pessoal comenta muito comigo, pergunta se eu gosto, pô como corintiano é inexplicável, né? – diz, emocionado.

Mendes explica o seu trabalho e passa a mão pela grama recém-germinada como se estivesse no jardim de casa. Nascido em Ermelino Matarazzo, Mendes mora hoje no Jardim Helena, em São Miguel Paulista, todos bairros da Zona Leste de São Paulo, maior reduto de corintianos do planeta.

Funcionário da World Sports, ele trabalha no estádio do Corinthians desde setembro de 2013, oito meses antes da primeira partida, derrota para o Figueirense por 1 a 0, gol de Giovanni Augusto.

Viu quase todos os 121 jogos do Corinthians lá. Também estava presente, "invisível" como de hábito, na estreia da Copa do Mundo de 2014. Viu Marcelo fazer gol contra, Fred cavar pênalti e Neymar fazer dois gols na vitória por 3 a 1 sobre a Croácia.

As lembranças o fazem rir, enquanto se ajusta ao banco do trator de cortar grama que ele pilota com orgulho.

– A estreia da Copa foi bem legal, mas o jogo que gostei mais foi a semifinal, Argentina e Holanda aqui (vitória argentina nos pênaltis). Aquele jogo foi sensacional! Eu estava torcendo pra Holanda, é lógico, mas não deu...

E os mais marcante do Corinthians? Em clássicos contra os rivais, claro.

– Aquele Corinthians 1x0 Palmeiras, com gol do Jô, pelo Paulistão do ano passado foi o mais emocionante. Time com um a menos, jogo difícil, Palmeiras era campeão brasileiro... Foi demais!

E o outro?

– Hahahaha... Pô, os 6 a 1 contra o São Paulo, né? Time reserva contra os titulares deles... – diz, gargalhando.

"Faço parte da equipe"
Fabinho, como ele é chamado na Arena, é pai de dois filhos. Thaynnan, de 13 anos, e Pietro, que nasceu em 14 de dezembro, uma semana antes de o gramado de tanta história ser arrancado.

Ele, como os torcedores comuns, sente-se parte do time, como se o Corinthians fosse uma família, ou um corpo só, gigantesco. Mas com um detalhe que o diferencia dos outros mais de 30 milhões: foi ele quem manuseou a máquina que espalhou 30kg de sementes da grama ryegrass (20 milhões de sementes).

– Faço parte da equipe também, né? O jogador vem aqui jogar, mas eu me sinto como se eu fosse eles também. Quando ganha, é como se eu estivesse ganhando. Porque todo mundo vê o meu trabalho quando vem assistir a um jogo, o jeito que o gramado está é o meu trabalho, então é legal, é inexplicável a sensação.

Contra o São Bento, o Corinthians ainda não encontrará o gramado em perfeitas condições, como o encarregado gostaria. Segundo André Amaral, engenheiro agrônomo responsável pela troca e um dos sócios da empresa, o processo de amadurecimento da grama vai durar até o meio do ano.

– Eu costumo fazer uma comparação: quando você compra um carro, a tendência é ele se deteriorar com o tempo de uso. Com o gramado é o contrário. Hoje ele está bom, pronto para uso, mas com o tempo e o amadurecimento da grama, ficará ainda melhor. Vai estar ainda melhor no clássico contra o Palmeiras (dia 24 de fevereiro) e provavelmente estará perfeito em junho, julho – afirma Amaral.

A próxima troca, ainda segundo o engenheiro, deve acontecer daqui a dois anos, na virada de 2019 para 2020.

– É o que estamos tentando, já que a troca anual, como acontece nos campos da Liga Inglesa, não é possível porque a realidade do nosso calendário é outra – diz.

Até lá, não haverá outra Copa do Mundo ou Olimpíada na Arena Corinthians. Mas Fabio Augusto Mendes seguirá no estádio, vendo tudo de perto.

– Vou acompanhar, eu fico sempre próximo da ambulância. E acho que o meu sentimento vai ser o mesmo do primeiro jogo porque foi feita a reforma, é um gramado novo, é como se fosse a estreia do campo de novo.

E a história, enfim, recomeça a acontecer.

Números da troca do gramado
30kg de sementes da grama ryegrass ou pouco mais de 20 milhões de sementes;

Três toneladas de adubo;

100 metros cúbicos de areia;

20 caminhões de entulho retirado (300 metros cúbicos no total);
R$ 70 mil mensais gastos aproximadamente com a manutenção do gramado;

R$ 1,5 milhão foi o valor gasto em 2013 para montar o sistema de refrigeração necessário para manter a temperatura ideal do solo.